terça-feira, 20 de agosto de 2013

Santa Margarida Clitherow, a “Pérola de York”



Vidas de Santos
 
Santa Margarida Clitherow, a “Pérola de York”
Mãe de família, católica destemida e mártir, brilhou pela fidelidade à verdadeira Igreja e pelo destemor com que enfrentou seus inimigos

Pode-se afirmar que não existe ódio maior do que aquele que se insurge contra a verdade religiosa. Temos exemplo disso no requinte de crueldade com que foram tratados os primeiros cristãos. E também no sofrimento dos católicos durante a pseudo Reforma Inglesa nos séculos XVI e XVII. Um desses mártires foi Santa Margarida Clitherow. Primeira mulher a ser martirizada nessa época, ela foi esmagada sob um peso de cerca de 700 quilos, por não querer renegar a verdadeira fé católica e por albergar sacerdotes católicos.


A “Ilha dos Santos” sob tormenta
A Inglaterra foi outrora chamada a Ilha dos Santos. Entretanto, desde a Idade Média, seus reis se tornaram em geral prepotentes no tocante aos direitos da Igreja. Isso levou, por exemplo, ao martírio de São Tomás Becket (1170). Posteriormente, em 1531, Henrique VIII rompeu com o Papa por este negar-se a anular seu legítimo casamento com Catarina de Aragão. O lúbrico rei declarou-se “Protetor e Cabeça Suprema da Igreja da Inglaterra”. Assim nasceu o anglicanismo.
Quem não concordasse com seu divórcio e a adoção desse título, ele mandava decapitar, como sucedeu com São Tomás Morus e São João Fisher, em 1535. Por igual motivo ordenou a execução de alguns monges cartuxos e franciscanos. A partir de então, por circunstâncias diversas, foi-se dando a gradual protestantização do que restara de católico na religião anglicana. E o cerco aos católicos foi se tornando cada vez mais estreito, sendo vários deles martirizados.
Em 1558, a ímpia Elisabeth I sucedeu a seu pai no trono. Ela não só seguiu a funesta política de Henrique VIII, mas radicalizou-a cada vez mais. Assim, foi necessário aos católicos fiéis, principalmente aos membros do clero, ocultarem-se para praticar a Religião verdadeira, sob a ameaça constante de prisão e morte. A Santa Missa foi proibida, e a população obrigada a participar dos “serviços” nas igrejas anglicanas.


Radical conversão à verdadeira fé
Nesse contexto, em York, pelo ano de 1556, nasceu Margarida, filha de Tomás Middleton, um bem-sucedido comerciante de cera e comissário da cidade. Em 1571 ela se casou com João Clitherow, fazendeiro e açougueiro abastado, que exercera e exerceria ainda vários cargos públicos em York. Tornado um de seus mais ricos cidadãos, ele foi autorizado a usar o Sir antes do nome. Margarida o ajudava no açougue, sendo muito querida dos clientes por causa de sua honestidade e simpatia.
A família de Tomás Middleton não opusera resistência à nova religião e à rainha como cabeça da “igreja”. Por isso Margarida foi educada no anglicanismo.
Apesar de não saber ler nem escrever — uma das consequências da perseguição foi a supressão das ordens religiosas e do sistema educacional inglês —, Margarida tinha boa inteligência e muita perspicácia. Analisando a religião na qual se educou, “não encontrou substância, verdade nem consolo cristão nos ministros da nova igreja, nem em sua doutrina; ao inteirar-se de que muitos sacerdotes e leigos sofriam ao defender a antiga fé católica” – comenta seu confessor e biógrafo, Pe. João Mush1  – Margarida quis instruir-se nela, convertendo-se três anos depois de casada.
A nova convertida entregou-se com ardor à prática da Religião católica. Rezava longamente, confessava-se com frequência, e quando algum padre celebrava a Missa secretamente em alguma casa católica, ela a assistia e comungava.
Mas o ardor de Margarida não se limitava a isso: ela se dedicou ao apostolado, procurando confirmar na fé os católicos perseguidos e tentando reconduzir ao seio da Igreja os que dela haviam se afastado por fraqueza.
João Clitherow, que por comodidade seguia a nova religião, dava entretanto toda a liberdade à esposa. Dizia encontrar nela somente dois defeitos: jejuava muito e não o acompanhava à igreja anglicana, o que lhe mereceu algumas multas. Quando a esposa começou a albergar em sua residência padres proscritos, ele preferiu ignorar o fato, para ficar em paz com sua consciência e não ter que delatar a esposa.
O casal Clitherow teve três filhos: Henrique, Ana e William, nascido na prisão. Com licença do marido, Margarida criou-os na Religião católica. Como não havia feito estudos, contratou um tutor católico para instruí-los. Com o tempo, enviou o filho mais velho ao seminário de Douai, na França. Como isso era considerado crime, ela foi novamente presa. Depois de sua morte, os filhos perseveraram na fé: os rapazes se tornaram sacerdotes e a moça, religiosa.


Conversão considerada como traição
A situação, porém, piorava gradativamente para os católicos fiéis. Em 1581, o governo da cruel rainha anglicana promulgou os Decretos de Persuasãodeclarando a conversão de alguém à fé católica crime de alta traição. O Decreto restringiu em grande medida a ação de Margarida. Ela foi logo considerada como suspeita e presa várias vezes, uma delas por dois anos. A heróica católica aproveitava a reclusão para fazer verdadeiros retiros espirituais, nos quais sua alma se unia cada vez mais a Deus. Durante a prisão passou a jejuar quatro dias por semana, prática que depois continuou a seguir. Foi também na prisão que, à força de perseverança, conseguiu aprender a ler e escrever.
Margarida havia transformado um quarto de sua casa em esconderijo para padres em caso de perseguição. Alugou também, com o mesmo fim, outra casa para a eventualidade de a sua ficar sob suspeita. Vários dos sacerdotes por ela acolhidos foram depois martirizados. Ela possuía um armário secreto com todo o necessário para a celebração da Missa. Segundo a tradição local, Margarida chegou mesmo a esconder sacerdotes na hospedaria do Cisne Negro, em Peaseholme Greem, sob os próprios narizes dos perseguidores.
Santa Margarida tinha uma personalidade cativante e atraente. Diz seu biógrafo que “todos a amavam e acudiam a ela em demanda de auxílio, consolo e conselho em suas penas. Seus criados tinham-lhe um amor tão reverente que, apesar de ela os corrigir com razoável severidade por suas faltas e negligências, e de saberem quando os sacerdotes frequentavam a casa, tinham tanto cuidado em conservar os seus segredos, como se fossem verdadeiros filhos”.2
Ela começava seu dia com a meditação, e se havia algum sacerdote, assistia à Missa ajoelhada atrás de seus filhos e empregados.


Seu dramático e heróico fim
Em 1585 a situação agravou-se ainda mais. Elisabeth I decretou o chamado Ato Estatutário, tornando crime de alta traição o fato de qualquer padre, sobretudo se jesuíta, permanecer nos domínios dela. A heróica Margarida então afirmou: “Pela graça de Deus, todos os padres ser-me-ão ainda mais bem-vindos, e farei o que puder para fazer progredir o divino culto católico”.3
No dia 10 de março de 1586, João Clitherow foi intimado a explicar ao conselho municipal a ida de seu filho para o exterior. Como ele era membro do conselho e conhecidamente anglicano, conseguiu justificar-se. Mas mandaram revistar sua casa.
Margarida não se preocupou muito, pois no momento lá não havia nenhum sacerdote refugiado, e seus filhos e criados eram de confiança.
Mas os policiais irromperam de modo inopinado, justamente na sala de aula das crianças. O professor fugiu pela janela. Entretanto, havia na sala outras crianças da vizinhança, uma das quais entrou em pânico e acabou mostrando às autoridades o esconderijo secreto e o armário onde se encontrava o material da Missa. Com isso a polícia possuía evidência contra Margarida. Seus dois filhos foram mandados para a casa de um protestante, e seus criados postos na prisão.

Margarida negou-se a se submeter a julgamento. Neste poderiam ser chamados a depor seu marido, seus filhos e criados, possivelmente sob tortura, o que ela quis evitar. Sabia que, em qualquer caso, seria executada: “Eu não conheço ofensa pela qual devo me confessar culpada. Não tendo feito nenhuma ofensa, não preciso de julgamento”, disse ela.4
Os juízes condenaram-na então a ser esmagada até a morte – pena infligida aos que não se submetiam a julgamento – “por ter alojado e mantido jesuítas e padres do seminário, traidores da majestade da Rainha e de suas leis”.
No momento do suplício, Margarida foi convidada a rezar pela Rainha. Ela o fez desejando a conversão do monarca à verdadeira fé. Alguns anglicanos presentes lhe pediram que rezasse com eles. Ela se negou, afirmando: “Eu não rezarei convosco, nem vós rezareis comigo. Nem direi Amém a vossas orações, nem vós às minhas”.5
Os dois carrascos encarregados da horrível execução contrataram alguns mendigos para substituí-los. Margarida, que esperava seu quarto filho, foi deitada sobre uma pedra afiada que, quando pressionada, deveria romper-lhe as costas. Sobre seu corpo foi colocada uma porta, e encima desta empilhando grandes blocos de pedra, até que a mártir fosse completamente esmagada sob um peso de quase 700 quilos.
Ela foi martirizada no dia 25 de março de 1586, Sexta-feira Santa.


“Depois da morte de Clitherow, Elisabeth I escreveu aos cidadãos de York para dizer que ficara horrorizada com o tratamento dado a uma mulher: devido ao seu sexo, Clitherow não deveria ter sido executada”.6 O que soa como uma hipocrisia, pois foi o que ela fez no ano seguinte com a católica Maria Stuart, a quem mandou decapitar para não ter uma rival ao trono da Inglaterra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário