quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Igreja Católica e a Outra

A Igreja Católica e a Outra

(Texto para profunda análise e meditação)

Dom Lourenço Fleichman OSB


A leitura do debate em torno das Cartas do Concílio, do Padre Berto, teólogo de Mons.
Marcel Lefebvre no Concílio, publicado na revista dos dominicanos franceses Le Sel de

la Terre nº 45 mostrou-me, ainda uma vez o quanto a crise atual joga as almas em


todas as direções no meio desta névoa espessa que cobre a Igreja.

Parece evidente que, quarenta anos após o Concílio, é necessário trabalhar mais a

fundo a questão da natureza exata da crise modernista, sua essência, a base teológica

explicativa de tal situação, sem esquecer os apoios nas Sagradas Escrituras e nos

Padres da Igreja, também importantes. Assim, como conseqüência desta análise,

devemos procurar estabelecer de modo mais sólido, até que medida um católico é

obrigado a seguir a Roma modernista, seus textos, seus ritos, seus acordos.

Devemos estar sempre disponíveis para fazer acordos, sempre de boa vontade e

acolhedores para os textos do Papa ou dos cardeais, para em seguida criticá-los ou, ao

contrário, devemos nos afastar de verdade das autoridades romanas e levar nossa

crítica ao conjunto de textos da Roma conciliar, mesmo reconhecendo, aqui ou ali,

algumas frases mais tradicionais? A questão não é nova. A novidade está nas

circunstâncias atuais, quarenta anos depois do concílio e quinze depois das sagrações

episcopais de 1988.

É um fato que cada vez que nos aproximamos dessa espécie de máquina, de mecânica

que se estabeleceu nas congregações romanas, voltamos machucados, deixando

presos nas rodas padres amigos, fiéis engolidos nos meandros da nova religião; um

pedaço de nossas vidas.

Em 1988 foram os padres que partiram para a Fraternidade S. Pedro, Dom Gérard etc.

Em 2001, os padres de Campos.

Por outro lado, esta recusa de se examinar com boa vontade os textos ou propostas

vindas de Roma não seria um constante perigo de se cair no sede-vacantismo? Eis o

impasse onde podemos entrar se nossas considerações sobre a crise da Igreja

seguirem o caminho das opiniões pessoais mais do que a busca da verdade. Porém, a

crise atual é de tal sorte que temos necessidade de uma sabedoria toda sobrenatural:
“É aqui que é preciso um espírito dotado de sabedoria”1 nos diz São João no seu


Apocalipse, nos capítulos 17 e 18 que tratam desta “Babilônia”, a cidade das sete

colinas, fornicando furiosamente com todos os reis da terra, que carrega em si o seu

nome: Mistério. Esta prostituta montada na besta, que fez o apóstolo ficar “em

extremo admirado”. Apenas os dados da teologia da Igreja não são suficientes.

Devemos constatar que todos os que partiram com os acordos com o Vaticano, bem

longe de continuar o mesmo combate de antes, como todos proclamaram em alta voz

que fariam, foram contaminados profundamente pelo espírito do Vaticano II. E eu

pergunto: - de onde vem esta unanimidade? Porque razão todos passam a aceitar até

mesmo a missa nova que sempre foi considerada como o principal mal de Vaticano II?

Antes mesmo de ser uma questão de doutrina, ela é uma questão de ordem espiritual.

Os padres não começam a aceitar Vaticano II devido a um estudo aprofundado da

Nova Missa ou dos textos do Concílio, mas sim por uma mudança de orientação da

alma, olhares que exprimem dois momentos diferentes. Antes, eles tinham uma graça,

uma luz espiritual que penso estar presente em cada alma fiel, mesmo nas mais

ignorantes, em cada um dos que seguiram o mesmo caminho traçado por Dom

Lefebvre e por Dom Antônio de Castro Mayer. Em seguida, quando eles perdem esta

graça, seguem às apalpadelas no escuro e se agarram na única realidade que

encontram ao alcance, ou seja, a hierarquia. Esta será expressa de modo diverso: para

uns será o “perímetro visível”, como queria Dom Gerard; para outros uma

“administração apostólica”, como foi oferecido aos padres de Campos; ou ainda a

Comissão Ecclesia Dei, como foi o caso da Fraternidade São Pedro2. Quanto ao resto,




os quarenta anos de perseguição, de escândalos, de heresias, não levam mais em conta

devido à cegueira dos seus corações.

Para nós, que queremos ficar fiéis ao combate, mesmo nesta

marginalização não desejada, como poderemos conciliar este estado de

coisas com a necessidade real de nos submetermos à hierarquia da

Igreja? Eis a questão delicada que se impõe. Por vezes esta questão é

deixada na sombra para que a alma possa seguir seu caminho no

combate pela fé, que é o essencial da vida católica. Aparentemente tudo

segue seu curso. Mas desde que ela começa a ser colocada, aparece o

temor e a angústia diante da possibilidade de se estar fora da Igreja,

provocando o impasse, estas diferentes formas de se encarar a crise, um

certo estado de alma que se manifesta por diferentes métodos de

combate. É necessário achar uma explicação que seja ao mesmo tempo

verdadeira teologicamente e pacificadora dessas angústias da alma

católica, antes que ela perca a graça e se deixe levar pelas águas

agitadas da Roma modernista.

Ora, esta explicação existe. Ela foi formulada pela primeira vez, que eu

saiba, por Gustavo Corção, em 1976 e mesmo antes, em 1974. Corção

mostrava que no cisma do Ocidente, no séc. XIV, os católicos se

encontravam diante de uma única Igreja mas tendo dois papas, sem

saber qual o verdadeiro. Hoje, ao contrário, estamos diante de um só

papa, uma só hierarquia, mas que governa duas igrejas: a verdadeira



Igreja Católica e A Outra. (Este texto foi elaborado antes da renúncia do Papa

Bento XVI) Vejamos como Corção entendeu a coisa:




“Minha sofrida e firme convicção, tantas vezes sustentada aqui, ali e acolá

é que existe, entre a Religião Católica professada em todo o mundo

católico até poucos anos atrás e a religião ostensivamente apresentada

como "nova", "progressista", "evoluída", uma diferença de espécie ou

diferença por alteridade. São, portanto duas as Igrejas atualmente



governadas e servidas pela mesma hierarquia: a Igreja Católica de

sempre, e a Outra."3



A idéia já lhe viera em 1974. Num artigo chamado Estranhos Contrastes, sobre o

comunismo no Chile e no mundo, Corção fala, talvez pela primeira vez, das duas

Igrejas:

“O que me parece difícil é fugir à evidência de um cisma, não do governo da

Igreja, mas na sua própria personalidade: o que há no mundo moderno são

duas Igrejas com parte da hierarquia comum ou alternante. E mais do que

nunca tornou-se importante para todos bem demarcar a Igreja a que

pertence... Tentarei trabalhar nesta idéia que me parece verdadeira e
saudável."4


Sublinhei acima a “diferença por alteridade” para mostrar que o autor explica esta

questão pela citação da ep. aos Gálatas, 1,6 – Se um anjo do céu vem vos ensinar um

outro evangelho, que seja anátema – De onde se conclui que não é necessário que se

ensinem heresias, doutrinas opostas, basta que se ensine outra coisa. Que os

modernistas não venham nos dizer que os textos do Concílio não são heréticos. Não

precisam ser para que sejam rechaçados pela Igreja de sempre e por todos os fiéis

católicos. Eles são outra coisa. Basta. Mons. Tissier de Mallerais, um dos bispos

sagrados por Mons. Lefebvre, dizia também isso:

Para ser heterodoxo, hoje em dia, não é mais preciso negar verdades de fé,

como outrora, basta mudar o sentido das palavras... Assim, não é mais

necessário para ser herético, contradizer as verdades ensinadas pelo

magistério tradicional, basta deslocar o enfoque, retirando-o do essencial para
colocá-lo no secundário ou no acessório. 5


A questão principal é a identidade da Igreja Católica. Qualquer estudo da teologia

desta crise deverá levar isso em conta.

São Paulo só pôde dar este preceito aos Gálatas por saber que, mesmo sem

serem filósofos com ciência adquirida, todos têm no nível do senso comum a
capacidade de distinguir o mesmo e o outro6.


Em outro lugar Corção escreveu: “Nenhuma reforma pode prevalecer sobre a

identidade e sobre a continuidade dessa identidade."

Mons. Lefebvre, na famosa conferência de retiro espiritual dada em Ecône, em 1989,

mostrou muito bem que a visibilidade da Igreja não pode se encontrar na “igreja

oficial” porque esta não possui mais a unidade da fé necessária para estabelecer as
quatro notas essenciais da verdadeira Igreja Católica.7



A coisa não pára por aí. Precisamos tentar

identificar esta falsa igreja que se faz

passar pela Igreja militante com tal

audácia que conseguiu ter em seu

comando os próprios chefes da verdadeira

Igreja Católica. É ainda Gustavo Corção

que nos mostra o caminho do nosso

estudo:

Estamos evidentemente diante de

alguma Coisa alterada, ou adulterada,

que em vários sinais difere

profundamente da Igreja Unam et

Sanctam. Não podendo crer que a

própria Igreja se alterou e se

adulterou, como pretendem os que

começam por duvidar de sua

perseverante identidade, só nos resta

pensar que outra substância está nos

meios católicos sem ser católica. E faz

questão de se inculcar como católica,

pelos sinais exteriores e pelos títulos,

não fazendo, porém nenhuma questão

de ser católica pelas idéias que difunde:

“decifra-me ou devoro-te”8.


Corção compreendeu que a crise da Igreja ia bem além de uma questão de reformas

mais ou menos revolucionárias. Quando Jean Madiran, na revista Itinéraires, pedia

ao papa que nos devolvesse ... “a missa, o catecismo e as Sagradas Escrituras”,

Corção completava:

Eu diria que, em vez de escolher os três pontos: a missa, o catecismo e as

Escrituras, prefiro um só grito, uma única súplica dirigida ao papa para pedir

a expulsão do espírito que anima todas essas reformas, que anima todas estas

aberrações, estas demolições dentro da Igreja. Eu gritaria: “Devolva-nos o

Catolicismo!” Sim, é a Igreja Católica, enquanto Católica que passa por um

processo de auto-demolição. É a catolicidade maternal e virginal da única

Igreja de Cristo que é atacada, sitiada, invadida, em favor de um cristianismo
vago, achatado, ressecado e exangue9.


Esta palavra de Paulo VI – auto-demolição da Igreja – é utilizada freqüentemente

por todos os defensores da Tradição, inclusive Mons. Lefebvre, como um argumento

ad hominem. Ela não pode exprimir a realidade teológica da vida da Igreja e deve ser

rechaçada. Não somente a Igreja não pode se auto-demolir como não há nenhuma

necessidade para nós de recorrer a este argumento. O papa Paulo VI que nada mais

fez do que acelerar o trem do modernismo, se não gerou a Outra, é responsável por

tê-la levado à maturidade. Não, a natureza desta crise só pode estar em outra coisa,

acha-se na tentativa de demolição da verdadeira Igreja católica pelo câncer

espiritual que a agarrou pela garganta, a sufoca e crucifica-a. É a Outra que procura

destruir a Igreja, o que difere muito de uma auto-demolição.

Penso poder dizer que esta argumentação baseada em duas igrejas mortalmente

opostas é a única a proteger todos os dados da teologia da Igreja diante da

avalanche que tudo carregou. Tive, por duas vezes, a oportunidade de usar esta

argumentação, em situações parecidas: no Barroux, em 1988, diante do Dom Basile,

quando este foi indicado por Dom Gérard para responder às minhas questões sobre
os acordos com Roma. Era a época do sofisma do “perímetro visível"10. Dom Basile


achou que a existência real da Outra conduziria ao sede-vacantismo, isso porque ele

não quis raciocinar na possibilidade de haver um só papa para duas igrejas, pois

não encontrava nada sobre isso nos manuais de teologia ou nos exemplos da história

da Igreja (lógico). A segunda vez foi em 2001, diante de um dos padres de Campos

que afirmou que esta doutrina significaria que as portas do inferno teriam

prevalecido sobre a Igreja, como se a presença da Outra destruísse a verdadeira

Igreja. Ora, nem um nem outro quiseram examinar a questão até o fim.

Não me parece possível que alguém negue o caráter excepcional, surpreendente e

inesperado da crise atual. Uma crise que dura já quarenta anos, tendo à sua frente já

três papas com praticamente todo o episcopado. Como não considerar o grande

mistério de vermos o corpo da Igreja trabalhando ativamente para a destruição da

Esposa de Cristo? Pode-se afirmar sem temeridade que esta crise nada tem a ver com

o mistério de iniqüidade anunciado por S. Paulo aos Tessalonicenses, quando

percebemos claramente que a grande apostasia que o acompanha já está

generalizada? Não estaria aí, justamente, a causa do enorme espanto que sentiu São

João quando viu a prostituta do Apocalipse que carregava em si seu nome: Mistério?

A natureza da crise começa a ser melhor estabelecida pela denominação de uma

Outra substância, de uma Outra sociedade de bispos tendo o próprio papa como

chefe, de uma Outra religião que nos faz pensar nesta abominação da desolação

posta no lugar santo, vista pelo profeta Daniel e lembrada por Nosso Senhor em

circunstâncias que nos fazem tremer. Já podemos considerar com certo recuo nossas

relações com Roma, antes mesmo de aprofundarmos nossas considerações sobre A

Outra.

Antes de tudo, desaparece a questão mais delicada:

- Vocês são sede-vacantistas? – Não, é justamente o que não somos.

- Então, para vocês, o papa é verdadeiramente o Vigário de Cristo? – Sim, ele é, ele

tem todos os sinais. Ele ocupa a sede de Roma, é reconhecido por todo o mundo como

papa, e exerce atos de governo próprios ao Pontífice Romano. Esta questão já não se

coloca por diversas razões: não há resposta possível porque só um papa futuro

poderá julgar o papa atual11. Enquanto a Igreja não declarar este juízo solene nossa



consideração deve se limitar aos sinais visíveis do pontificado, e nesse caso devemos

afirmar que... É o Vigário de Cristo.
- Como pode o papa ensinar tantos erros gravíssimos, fazer gestos tão

escandalosos, sem perder o carisma papal? – porque ele é, ao mesmo

tempo, o chefe de uma falsa religião fundada em Vaticano II, quando os

bispos do mundo todo estabeleceram A Outra. Daí a necessidade de

refletir sem medos sobre os fundamentos dessa Anti-Igreja para

estabelecer que, efetivamente, ela se constitui como uma falsa religião,

com um clero, ritos próprios, um corpo de doutrina e leis específicas.

- Como explicar que a existência dessa Outra não seja a derrota total da

verdadeira Igreja Católica? – Aqui o mistério aumenta, sem dúvida. A

Santa Igreja Católica está sempre viva, mas sitiada e invadida, como nos

dizia Corção acima. Eu não usaria a imagem de uma invasão militar,

com um governo ilegítimo esmagando o rei, ou a imagem da Aids

espiritual usada por Mons. Lefebvre, mas a invasão de um câncer

espiritual, como uma pele, uma fina película transparente e, sobretudo,

viva, que engole a Igreja Católica tornando-a prisioneira, sem

movimentos próprios, sem palavra, sem rito nem lei. Como todo câncer,

ela nasce de dentro e se desenvolve sem controle do organismo, levandoo

por um caminho de morte. A transparência desse câncer vem do fato

que o governo da Outra é feito pelos mesmos homens, a mesma

hierarquia que deveria governar a Igreja Católica. Assim, quando um

Mons. Lefebvre, por exemplo, ousava se levantar contra o papa, este, ou

os bispos lhe apontavam o dedo: atenção, é o papa, são os bispos,

obedeça! É claro que nosso bispo, sendo perfeitamente católico, queria

obedecer e demonstrar seu apego à Santa Sé, como tantas vezes ele

exprimiu, mas desde que ele se aproximava, a voz que ouvia não era a da

Mãe, mas uma voz estranha, desconhecida e mesmo monstruosa. Foi

diferente em 1988? E em 2001, com Mons. Fellay? As exigências impostas

a Mons. Lefebvre de pedir desculpas, em 6 de maio de 1988, ou a recusa

de liberar a missa tradicional a todos os padres porque seria um ultraje

a Vaticano II, em 2001, são sinais impressionantes de que as autoridades

falavam antes como representantes da Outra e não como chefes

católicos.

Será que um papa, enquanto papa, representando a verdadeira Igreja,

podia recusar-se a um gesto como este em favor de uma missa santa,

perfeitamente legítima e ortodoxa?

- Alguém poderia ainda objetar que a missa de uma tal igreja diabólica

não poderia ser válida, enquanto que o próprio Mons. Lefebvre e tantos

outros sempre afirmaram que a nova missa é válida. – Ainda aqui, a

única resposta que mantém intactos todos os dados da teologia vem

dessa usurpação. O câncer que cobre a Igreja não é apenas uma

metáfora. É uma realidade analógica, um verdadeiro câncer espiritual.

Como tal, ele lança seus tentáculos mórbidos no interior do Corpo

Místico de Cristo para sugar sua vida e a eficácia de seus ritos. Ele

domina de tal modo a Esposa de Cristo, ele a mantém em tal controle que

esta vê as conseqüências terríveis dessa usurpação de sua vida sem

poder nada fazer, impotente para vir em auxílio de seus filhos cegos e

conduzidos à morte da heresia, do sacrilégio, do pecado.

Todos os sacramentos e sacramentais, tudo o que dependerá de um rito,

será assim sugado do coração mesmo da Igreja. E os fiéis serão

enganados quando, assistindo a um rito novo, pensarão ver nele algo de

ainda católico.

Que esperteza do demônio! Quanta audácia! E que diabólica satisfação

não deve ele sentir quando nos vê batendo cabeça uns contra os outros,

sem saber muito bem como nos posicionar diante dessa nova versão do

William Wilson do conto de Edgar Allan Poe.

Se Mons. Lefebvre compreendeu que era necessário resistir até o fim, até

ser “excomungado” – e ele disse bem que era excomungado pela Roma

modernista, logo pela Outra – foi em razão da essência não-católica de

todo esse mundo de Vaticano II. A famosa Carta que ele escreveu aos

quatro bispos sagrados em 30 de junho de 1988 não deixa dúvidas: estes

novos bispos deverão depositar aos pés do Santo Padre seu episcopado

quando Roma será convertida à Tradição. Não antes, porque eles teriam

que tratar com uma outra coisa, uma outra igreja, tendo as mesmas

autoridades humanas. Se nós recusamos admitir que trata-se de Outra

coisa, cairemos facilmente na armadilha onde caíram os padres de

Campos: eles pretenderam que não era possível Deus permitir que toda a

hierarquia se enganasse de caminho durante um tempo tão longo. Com a

presença do câncer espiritual a questão do tempo não se coloca mais.

Pode durar enquanto Deus quiser, como uma purificação necessária, ou

como a Paixão da Igreja, seguindo a Paixão do seu Mestre.

Eis, então, a paz que começa a se fazer presente na alma católica

libertada de seus escrúpulos, compreensíveis, mas tão perigosos. Não

será mais preciso ficar como que mal acomodado na cadeira, sem poder

aceitar os erros e sem querer lançar para longe a hierarquia constituída.

Firmemos nossos pés nesta terra da salvação que é a verdadeira Igreja

de sempre. Se ela está prisioneira da Outra, sejamos nós também

prisioneiros, excomungados, marginalizados, crucificados, como ela,

nossa Mãe, está crucificada e se aproxima desta morte mística própria

ao Corpo Místico de Cristo, o que, bem longe de ser uma derrota é o

início da vitória.

As duas tentações presentes em nossos meios já existiam no tempo de

Nosso Senhor. Os sede-vacantistas se parecem com os apóstolos

escandalizados com a Cruz, que fugiram, um após outro, até que só ficou

um, São João, o único que tinha atingido, antes mesmo de Pentecostes,

um grau particular da Sabedoria. Já os que se inclinam para os acordos

com Roma se parecem com os discípulos que abandonaram Jesus em

troca da “legalidade” farisaica, porque as apóstrofes do Mestre contra

as autoridades eram para eles insuportáveis. –“E vós, quereis também

partir?... Para onde iríamos, Senhor, só Vós tendes palavras de vida

eterna”.

Esta paz da alma só pode existir com a graça. Esta graça nada mais é do

que um ato de fé sobrenatural continuamente em ação na alma. É um

pecado contra a fé que fez cair todos os que partiram, por medo, por

escrúpulos ou por excesso de rigorismo. Atraídos irresistivelmente por

uma armadilha armada pela Outra, caíram os que fizeram acordos com

Roma, nesta falta contra a Fé que responde a nossa questão do início:

por que todos, unanimemente, acabam aceitando todo o Vaticano II?

Faltando a fé, eles não conseguem mais enxergar nada além do câncer

que esgana a verdadeira Igreja.

No outro pólo, os sede-vacantistas não são atraídos, mas antes

empurrados por uma estranha força que os afasta da Igreja por não

suportarem a idéia de que ela possa estar crucificada sobre o Gólgota da

religião pluralista de um mundo maçonicamente globalizado.

O ato de fé de que se trata aqui não é uma coisa fácil e evidente. A graça

deve ser renovada todos os dias numa constante oração, numa profunda

humildade, numa confiança total. Não na confiança nesses homens da

hierarquia visto serem verdadeiros traidores que preferem governar A

Outra em vez de governar a Católica. Confiança em Deus, uma fé sem

reservas no governo que a Cabeça, o Chefe, Jesus Cristo, exerce sobre

sua Esposa mesmo no momento mais doloroso da crucifixão e da morte.

Do Gólgota místico onde certamente ela se encontra, desta crucifixão

que a torna mais unida e mais semelhante a seu Esposo divino, ou do

túmulo onde ela há de passar seus três dias, ela ressurgirá na glória,

como Nosso Senhor, para nos deixar a marca do seu Corpo visível, mais

belo que nunca, mais santo, desta Esposa sem manchas nem rugas que

será para nós a vida do Reino do Céu. Ressurrexit sicut dixit, Allelúia!



1. 1. Apoc. 17, 9


2. 2. Veja detalhes no nosso livro Tradição versus Vaticano, Ed Permanência, 2001

3. 3. O Globo, 29/12/1977

4. 4. O Globo, 30/03/1974

5. 5. Revista Le Sel de la Terre, nº 42, 2002 – Apresentação ao Sermão das ordenações
6. 6. O Globo, artigo Trabalhemos com Jesus, 7 de junho 1975

7. 7. http://www.permanencia.org.br/drupal/node/1400

8. 8. O Globo, artigo Decifra-me ou devoro-te, 21 de fevereiro 1976

9. 9. Itinéraires, 181, março 1974 – artigo Mon désir est-il de plaire aux hommes? – Seria meu



desejo agradar aos homens?

10. 10. Dom Gérard Calvet dizia que nós não estávamos fora da Igreja mas sim fora do perímetro



visível da Igreja, confundindo visibilidade da Igreja com oficialidade legal do Vaticano.

11. 11. Mons. Tissier de Mallerais mostrou bem isso no seu sermão de 2002.



Fonte: Permanência
www.mariamaedaigreja.net

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