SANTO AFONSO DE LIGÓRIO
MEDITAÇÕES PARA TODOS
OS DIAS DA SEMANA.
ATOS PREPARATÓRIOS A
MEDITAÇÃO ( Conforme edição de 1934)
1- Reaviva, ó minha alma, tua fé; põe-te na presença de Deus e adora-o
profundamente.
2- Humilha-te aos pés de Deus e pede-lhe sinceramente perdão.
3- Solicita a luz de Deus por amor de Jesus Cristo; recomende-se a Maria Santíssima
e aos Santos com uma Ave Maria, Glória ao Padre.
Lê a meditação bem de
vagar. Após todos os pontos medita na máxima eterna. Terminada a consideração, toma
o propósito de remover tal e tal vicio.
SEGUNDA FEIRA:
O PECADO MORTAL.
1- Considera minha alma, o que fazer quando cometes um pecado mortal! Das as
contas aquele Deus que te criou e te cumulou de benefícios; desprezas a sua
graça e a sua amizade. Quem peca diz com os fatos e Nosso Senhor: ¨Nem servia;
apartai-vos de mim, pois não quero obedecer-vos, não vos quero servir, não vos
quero reconhecer por meu Senhor. O meu Deus é aquele prazer, aquela vingança,
aquele ódio, aquela conversação obscena, aquela blasfêmia. Pede-se imaginar
ingratidão mais monstruosa de que esta? Entretanto, minha alma, tudo isto
fizeste, quando ofendeste ao teu Senhor.
2- Maior se torna esta ingratidão, refletindo que para pecar, serve-te das
mesmas coisas que Deus te deu: Ouvido, olhos, boca, língua, mãos, pés, são
todos dons de Deus, e tu deles te servistes para ofendê-lo !Ah, ouve pois o que
te diz o Senhor: ¨Filho, eu te criei nada; dei-te tudo o que tens, fiz-te nascer
na verdadeira Religião. Podia deixar-te morrer quando estavas no pecado;
conservei-te a vida para não condenar-te ao inferno; e tu, esquecido de tantos
benefícios, queres servi-te dos meus próprios dons para ofender-me?¨ Quem não
se sentirá tomado de profundo pesar por ter feito tamanha injuria a um Deus tão
bom, tão benfazejo para conosco suas criaturas?
3- Considera ainda que este Deus, embora seja bom e infinitamente
misericordioso, toda- via fica muito indignado quando o ofendes. Por isso,
quanto mais tempo viveres no pecado, tanto mais vais provocando e acumulando a
ira de Deus contra ti. Deves, portanto recear muito que os teus pecados cheguem
a tal numero que ele por fim te abandone. Não que isto aconteça por te faltar a
misericórdia divina, mas é que te faltará o tempo para pedir perdão, pois que
não merece a misericórdia de Deus que dela abusa para ofende-lo. Com efeito,
quantos viveram no pecado, na esperança de converte-se e, entretanto chegou a
morte e faltou-lhes o tempo para disporem os negócios da consciência, e agora
estão eternamente perdidos! Teme que a
mesma coisa não aconteça também para ti.
De graças a Deus por
ter-te esperado até agora, e toma desde já uma firme resolução dizendo: Basta,
meu Deus, o pouco de vida que ainda me resta não a quero esperdiçar em ofender-vos;
hei de emprega-la em vos amar e chorar os meus pecados. Arrependo-me de todo o
coração. Meu Jesus quero vos amar; dai-me força. Virgem Santíssima, Mãe de meu
Jesus, ajudai-me.
TERÇA FEIRA:
A MORTE.
1-
A morte é a separação da alma do
corpo, com abandono total das coisas deste mundo. Considera, portanto ó
cristão, que a tua alma deverá separar-se do corpo; mas não sabes onde se dará
esta separação. Não sabes si a morte te assalta na tua cama, ou durante o
trabalho, ou na rua, ou em outra parte. A ruptura de uma veia, um catarro, uma
hemorragia, uma febre, uma chaga, uma queda, um terremoto, um raio, bastam para
te tirar à vida. Isso pode acontecer daqui a um ano, daqui a mês, a uma semana,
a uma hora, e talvez ao terminar a
leitura de esta consideração . Quantos se deitaram a noite cheios de saúde e de
manhã foram encontrados mortos! Quantos acometidos de algum ataque morreram de
repente! E depois para onde foram? Se estavam na graça de Deus, felizes deles!
Gozarão para sempre. Si, pelo contrario se achavam em pecado mortal, estão para
sempre perdido. Dize-me; se tivesse que morrer neste instante, que seria de tua
alma? Ai de ti, si não te manténs sempre preparado! Para bem morrer, corre
grande perigo de morrer mal.
2-
Embora seja incerto o luar e incerta
a hora de tua morte, é porem muito certo que a morte há de vir. Quero esperar
que a ultima hora de tua vida não venha repentinamente ou de modo violento, mas
aos poucos e procedida de uma doença comum. Mas há de chegar um dia no qual,
estendido numa cama, estarás preste a passar para eternidade, assistido por um Sacerdote
que encomendará sua alma, tendo um Crucifixo ao lado, uma vela acesa do outro, em derredor os
parentes que choram. Terás a cabeça dolorida, os olhos embaraçados, a língua
ressequida, a garganta presa, a respiração ofegante, o sangue a arrefecer, o
corpo consumindo, o coração aflito. E logo que a alma expire, e teu corpo
vestido de poucos andrajos será lançado a apodrecer em uma cova. Ai os ratos e
os vermes roerão todas as tuas carnes e de ti restarão apenas quatro ossos
descarnados e um pouco de pó nauseabundo. Abre um sepulcro e vê a que ficou
reduzido àquele jovem rico, aquele ambicioso, aquele soberbo. Lê com atenção
estas linhas, e lembra-te que elas também se aplicam a ti igualmente como a
todos os demais homens. Agora o demônio, para induzir-te a pecar, procura
arrancar-te deste pensamento e levar-te a excursar a tua culpa, dizendo-te não
ser enfim tão grande mal aquele prazer, aquela desobediência, aquela omissão da
missa nos domingos; mas na hora da tua morte descobrir-te-á a gravidade destes
e de outros teus pecados, pondo-os diante de si, E que haverás de fazer tu
então, no ponto de te encaminhares para a tua eternidade? Ai de quem se achar
em desgraça de Deus naquele momento!
3-
Considera que do instante da morte
depende a tua eterna salvação ou a externa perdição. Nas proximidades da morte,
ao avizinhar-se aquela ultima vez que se fecha a boca, a luz daquela vela,
quantas cousas se hão de ver! Duas vezes
temos diante de nós uma vela acesa; quando somos batizados e em ponto de morte;
a primeira vez, para conhecermos os preceitos da lei divina que devemos
guardar; a segunda, para vejamos se os temos cumprido. Por isso, meu filho, a
luz dessa vela hás de ver si amastes o teu Deus ou si o desprezaste; si
honraste o seu santo nomeou si o blasfemaste; hás de ver os dias santos
profanados, as missas deixadas, as desobediências aos superiores, os maus
exemplos dados aos outros; verás aquela soberba, aquele orgulho que te
lisonjeava; verás... mas, oh! Deus! Tudo verás naquele momento, no qual se
abrirá diante de ti o caminho da eternidade: Momentum a quo pendet eternitas. Ó grande, ó terrível momento, do
qual depende uma eternidade de glória ou de tormentos! Compreendes bem o que de
digo? Quero dizer que daquele momento depende ir para o Céu ou para o Inferno;
ser para sempre feliz ou para sempre infeliz; para sempre filho de Deus ou para
sempre escravo demônio; para sempre gozar com os Anjos e com os Santos do Céu
ou gemer e arder para sempre com os condenados no inferno!
E agora, põe-te na presença do teu
Deus e dize-lhe de coração: Meu Deus,
deste este momento eu me converto a Vós; amo-vos, quero amar-vos e servir-vos
até a morte. Virgem Santíssima, minha mãe, ajudai-me naquele terrível momento,
Jesus, Maria e José, expire em paz entre vós a minha alma.
QUARTA FEIRA
O JUISO
1- O juízo é a sentença que o Salvador há de pronunciar no fim de nossa
vida, sentença com a qual fixará o destino de cada um por toda a eternidade.
Apenas a alma tiver saído do corpo, comparecerá logo perante o Supremo Juiz. A
primeira cousa que torna este comparecimento terrível à alma do pecador é que a
alma se encontrará sozinha na presença de um Deus, desprezado, de um Deus que
conhece todos os segredos do nosso coração, todos os nossos pensamentos. E que
levaremos aquele pouco de bem ou de mal que tivermos feito durante a vida. Não
se pode então inventar nem excusa nem pretexto nenhum, Santo Agostinho, falando
deste tremendo comparecimento, diz: ¨Quando, tu ó homem, compareceres diante do
Criador para seres julgados, terás sobre tua cabeça um juiz indignado; de um
lado os pecados que te acusam; de outro os demônios prontos a executar a
condenação; dentro de ti uma consciência que agita e te atormenta, debaixo de
ti um inferno aberto, pronto a tragar-te. Em tais apertos, para onde irás, para
onde fugirás?¨Feliz de ti se tiveres feito o bem durante a tua vida.
Entretanto, o divino Juiz abrirá os
livros da consciência e começará o exame: Judicium
sedit, et libri apérti sunti.
2-
Então dirá aquele Juiz inapelável:
Quem és tu? - Sou cristão, responderás. Bem, replicará ele, si és cristão,
vamos ver si procedeste como cristão. Em seguida começará a recordar as
promessas feitas no Santo Batismo, pelas quais renunciastes ao demônio, ao
mundo, à carne; lembrar-se-á as graças que te concedeu as muitas vezes que
recebestes os Sacramentos, as pregações, as instruções, os avisos dos
confessores, as correções dos pais; tudo será posto diante de ti. Mas tu, dirá então o divino Juiz, apesar de
tantos dons, de tantas graças, oh quão mal correspondestes á tua profissão de
cristão! Mal chegando a idade em que apenas começava a conhecer-me, começas-te
a ofender-me com mentiras, com faltas de respeito na Igreja, com desobediências
a teus pais e com muitas outras transgressões dos teus deveres. Ainda bem si com
o correr dos anos tivesses melhorado o teu procedimento; mas não; justamente
com a idade aumentou em ti, infelizmente, também o desprezo á minha lei. Missas
perdidas, profanação dos dias santos, blasfêmias, jejuns não observados,
confissões mal feitas, comunhões às vezes sacrílegas, escândalos dados aos
outros; eis o que fizestes em vez de servi-me. Voltar-se-á para o escandaloso,
cheio de indignação dizendo:
Vês aquela alma que caminha pela estrada do
pecado? Foste tu, com as tuas conversas imorais, que lhe ensinaste a malicia.
Tu, como cristão que és, devias ensinar com o bom exemplo o caminho do Céu ao
teu próximo pelo contrario, traindo o meu Sangue, lhe ensinaste o caminho da
perdição. Vês aquela alma lá no inferno? Foste tu com teus pérfidos conselhos
que a arrancaste a mim para entrega-la ao demônio. Foste tu a causa de sua eterna
perdição. Agora pague a tua alma por aquela outra que deitaste a perder com o
teu escândalo.
Que te parece, ó cristão, deste
exame? Que te diz a consciência? Estás ainda em tempo, si quiseres. Pede a Deus
perdão de teus pecados e faze um sincero propósito de não tornar a pecar;
começa desde hoje uma vida de bom cristão, preparando-te assim um tesouro de
boas obras para o dia em que deverás comparecer perante o tribunal de Jesus
Cristo.
3-
Á vista das rigorosas contas que o
Juiz supremo exige do pecador, tentará este aduzir alguma excusa ou pretexto,
dizendo que não sabia que deveria ser submetido a um exame tão rigoroso. Mas
receberá esta resposta: E não ouviste aquele sermão e aquela explicação do
catecismo? Não leste naquele livro que eu haveria de pedir rigorosas contas de
tudo? O infeliz então se encomendará á misericórdia divina; mas a misericórdia
não é mais para ele. Porque, não merece misericórdia quem por tanto tempo dela
abusou e porque na morte termina o tempo da misericórdia. Recomendar-se-á aos
Anjos, aos Santos, a Maria Santíssima; e Maria responderá por todos: Agora é
que pedes o meu auxilio? Não me quiseste por mãe durante a vida e agora já não
te quero por filho; já te não conheço. Então o pecador, não encontrando mais
nenhum refugio, bradará as montanhas, aos rochedos que o cubram e eles não se
moverão. Invocará o inferno e vê-lo-á aberto. Este é o momento em que o
inexorável Juiz proferira a tremenda sentença: Filho infiel dirá, para longe de
mim. Meu Pai Celeste te amaldiçoou; eu também te amaldiçoo. Vai para o fogo
eterno a gemer e sofrer com os demônios por toda a eternidade. Discédite a me, maledicti, in ignem aetérnum.
Aquela alma infeliz, antes de afastar-se para sempre do seu Deus, volverá pela
ultima vez o olhar ao Céu e no auge da desolação dirá: Adeus, parente, adeus,
amigos, que habitais o reino da glória, Adeus, pai, mãe, irmãos, irmãs; vós que
gozareis para sempre e eu serei para
sempre atormentado. Adeus, meu Anjo da guarda, Anjos e Santos todos do Paraíso;
não vos tornarei a ver jamais. Adeus, ó Salvador, Adeus, ó Cruz santa, adeus ó
Sangue em vão por mim derramado, não vos tornarei a ver mais. Desde este
momento eu não sou filho de Deus; serei para sempre escravo dos demônios no
inferno. Então alma, arrastando-a e empurrando-a, a farão cair nos seus abismos
de torturas, de misérias, de tormentos eternos. Ó alma, não receias que tal
sentença seja também a tua? Ah! Por amor
de Jesus e Maria, prepara com boas obras uma sentença favorável e lembra-te que
como é terrível a sentença proferida contra o pecador, igualmente consolador
será o convite que há de dirigir Jesus a quem viveu cristãmente. Meu Jesus
concedei-me a graça de poder ser também eu um desses bem-aventurados. Virgem
Santíssima ajude-me; protegei-me na vida e na morte e especialmente quando me
apresentar ao vosso Filho para ser julgado.
QUINTA FEIRA
O INFERNO
1-
O inferno é um lugar destinado pela justiça
divina como suplícios eternos os que morrem em pecado mortal. A primeira pena
que os condenados sofrem no inferno é a pena dos sentidos, que são atormentados
por um fogo que queima horrivelmente sem nunca diminuir de intensidade. Fogo
nos olhos, fogo na boca, fogo em todas as partes. Cada sentido sofre a própria
pena; os olhos sofrem pela vistas dos demônios e dos outros condenados. Os
ouvidos, dia e noite, só escutam contínuos uivos, prantos e blasfêmias. O
olfato sofre enormemente pelo mau cheiro daquele enxofre e pez ardente que
sufoca. A boca é atormentada por sede devoradora e fome canina; At famen
patientur ui canes. O mau rico no meio daqueles tormentos, ergueu o olhar ao
Céu e pediu como grande graça, uma pequena gota de agua para mitigar a aridez
de sua língua e também essa gota de agua lhe foi negada. Por isso aqueles
infelizes, requeimados de sede, devorados pelas chamas atormentados pelo fogo,
choram, gritam e se desesperam. Óh! Infernos, inferno! Como são infelizes os
que caem nos teus abismos! E tu que dizes, ó alma? Si tivesses que morrer neste
instante, para onde irias? Si agora não podes aguentar nem uma fagulha de fogo
na mão sem gritar, não podes conservar um dedo sobre a pequena chama de uma
vela, como poderás aguentar-te então entre aquelas chamas por toda a
eternidade?
2-
Considera, além disso, ó cristão, o
remorso que experimenta a consciência dos condenados. Eles padecerão um inferno
na memória, na inteligência, na vontade. Recordarão continuamente o motivo da
sua perdição, isto é, por terem querido secundar alguma paixão. Esta lembrança é
o verme que nunca morre: Vemis eórum nom
móritur. Recordarão o tempo que Deus lhe deu para evitar a perdição, os
bons exemplos dos outros, os propósitos feitos e não cumpridos. Pensarão nos
sermões ouvidos, nos avisos do confessor, nas boas inspirações para deixar o
pecado; vendo que já não há remédio, lançarão gritos desesperados. A vontade
nada terá de que deseja e ao contrario padecerá todos os males. A inteligência
conhecerá finalmente o grande bem que perdeu. A alma separada do corpo, ao
apresentar-se no tribunal divino, entrevê a beleza de Deus, conhece toda a sua
bondade, chega quase a contemplar por um instante o esplendor do Paraiso, ouve
talvez também os cantos harmoniosíssimos dos Anjos e dos Santos. Que dor ver
que tudo isso perdeu para sempre! Quem poderá resistir a tais tormentos?
3-
Ó alma, tu que agora não te imporás
de perder o teu Deus e o Paraiso, conhecerás a tua cegueira quando vires tantos
conhecidos teus, mas ignorantes e mais pobres do que tu, triunfarem e gozarem
no reino dos Céus ao passo que tu serás amaldiçoado por Deus e serás arrojado
para longe daquela pátria feliz, do gozo do mesmo Deus, da companhia da Santíssima
Virgem e dos Santos. Eia, pois, faze penitência, não esperes para quando não
haver mais tempo; entrega-te a Deus. Quem sabe si não é este o ultimo chamado
e, si não correspondes quem sabe si Deus não te abandona e não de deixa cair
naqueles eternos suplícios! Oh! Meu Jesus livrai-me do inferno: A poemis inferni libera me, Domine!
SEXTA FEIRA
A ETERNIDADE DAS PENAS
1- Considera, ó alma, que si fores para o inferno, nunca mais dele sairás.
Lá se sofrem todas as penas e todas eternamente. Passarão cem anos desde que caíste
no inferno, passarão mil anos e o inferno estará ainda em seu começo; passarão
cem mil, cem milhões, passarão milhões de séculos e o inferno estará
principiado. Si um Anjo levasse aos condenados a noticia que Deus os quer
libertar do inferno depois de passados tantos milhões de séculos quantas são as
gotas de agua do mar, as folhas das arvores e os grão de areias da terra, esta
noticia lhes causaria a maior satisfação. É verdade, diriam, que devem passar
ainda séculos, mas um dia hão de acabar. Pelo contrario, passarão todos estes
século e todos os tempos que se possam imaginar e o inferno estará sempre no
principio. Todos os condenados fariam de boa vontade com Deus o seguinte papo:
Senhor: aumentai quanto entenderdes este meu suplicio; deixai-me nestes
tormentos por quanto empo quiserdes, contanto que me deis a esperança, de que
um dia hão de acabar. Mas nada; esta esperança, este termo nunca chegará.
2- Si ao menos o pobre condenado pudesse enganar-se a si mesmo e iludir-se
dizendo: quem sabe, um dia talvez terá Deus piedade de mim e me arrancará deste
abismo! Mas não, nem isto; verá sempre escrita diante de si a sentença de sua
eternidade infeliz, Pois então, irá ele dizendo, todas estas penas, este fogo,
estes gritos, nunca mais acabarão para mim? Não lhe será respondido, não,
jamais. E durarão sempre? Sempre por toda a eternidade, sempre, verá, escrito
naquelas chamas que queimam; sempre, naquelas portas eternamente fechadas para
ele. Ó eternidade! Ó abismo sem fundo! Ó mar sem praias! Ó caverna sem saída!
Quem não tremerá ao pensar em ti? Maldito pecado! Que tremendo suplícios
preparas para quem te comete! Ah! Nunca mais, nunca mais pecados durante a minha vida.
3- Mas o que te deve encher de pavor é pensar que aquela horrível fornalha
está sempre aberta debaixo de teus pés e que é suficiente um só pecado, mortal
para lá te fazer cair. Compreendes bem, ó alma, o que estás lendo? Uma pena
eterna por um só pecado mortal, que
cometes com tanta facilidade. Uma blasfêmia, uma profanação dos dias
santos, um furto, um ódio, uma palavra, um ato, um pensamento obsceno basta
para seres condenado ás penas do inferno. Escuta, pois, ó cristão, o meu
conselho; Si a consciência te acusa de algum pecado, vai depressa confessar-te
para começar uma vida boa. Põe em pratica todos os meios que te indicar o
confessor, Si for necessário, faze uma confissão geral. Promete que has de
fugir das ocasiões perigosas, das más companhias e si Deus te indicasse até que
deve deixar o mundo, segue logo a sua voz. Tudo o que se fizer para evitar uma
eternidade de tormento sé poucos, é nada. Nulla
nímia securita, ubi periclitatur aeternitas.(S.Bern.). Óh! Quantos na flor
da idade abandonaram o mundo, a pátria, os parentes, foram viver isolados nas
cavernas, nos desertos, alimentando-se somente de pão e agua, e até ás vezes só
de raízes, e tudo isto para evitar o inferno! E tu que fazes, depois de tantas
vezes que merecestes o inferno com o pecado, que fazes? Lança-te aos pés do teu
Deus e dize-lhe: ¨Senhor estou pronto a fazer o que Vós quiserdes; nunca mais
vos tenho ofendido; mandai-me todos os sofrimentos que quiserdes durante esta
vida, contanto que eu possa salvar a minha alma¨.
SABADO
O PARAISO
1-
Quanto nos apavora o pensamento e a
consideração do inferno, igualmente nos consola a lembrança do Paraíso, preparado
por Deus para todos os que o amam e o servem durante esta vida. Para que possas
fazer dele uma ideia, contempla uma noite serena como é belo contemplar o Céu
com aquela multidão e variedade de estrelas! Umas menores, outras maiores:
enquanto umas despontam no horizonte, outras estão prestes a desaparecer; todas
porém com boa ordem e segundo a vontade do seu Criador. Acrescenta a isto a
visão de um belo dia, mas de tal forma que o esplendor do Sol não ofusque a
claridade das estrelas e da Lua. Supõe, além disto, ter a mão tudo o que de
belo se pode encontrar no mar, na terra, nos povoados, nas cidades, nos paços
dos reis e dos monarcas do mundo inteiro. Acrescenta a isto as bebidas mais
delicadas, os alimentos mais saborosos, a música mais doce, a harmonia mais
suave. Pois bem: tudo isto junto não é nada em comparação da excelência, dos
bens, dos gozos o Paraiso. Oh! Como bem mercê ser desejado e ardentemente amado
aquele lugar onde se goza de todos os bens! O bem-aventurado não poderá deixar
de exclamar: Estou saciado da glória do Senhor: Satiabor cum apparuerit glória tua.
2-
Considera, além disso, o gozo que
inundará a tua alma ao entrares no Paraiso. O encontro e o acolhimento; a
nobreza, a beleza dos Querubins, dos Serafins, de todos os Anjos e de todos os
Santos, que aos milhões e milhões, louvam o Criador; o coro dos Apóstolos, a
multidão imensa dos Mártires, dos confessores, das Virgens. Há também um
exercito enorme de almas que, por terem conservado a virtude da pureza, cantam
a Deus um hino que ninguém mais pode entoar. Oh! Quantos gozam naquele reino os
bem aventurados! Sempre mergulhados na alegria, sema menor doença, sem desgosto
e preocupações que perturbam a sua paz e o seu gozo.
3-
Considera, além disso, ó alma que
todos os bens até aqui considerados são um nada em comparação do grande prazer
que se experimenta na visão de Deus. Ele alegra os bem-aventurados com o seu
olhar amorável e derrama no seu coração um mar de delicias. Da mesma forma que
o Sol ilumina e embeleza o mundo inteiro, assim Deus, com a sua presença
ilumina todo o Paraiso e enche os seus afortunados habitadores de gozos
inefáveis. Nele hás de ver, como em um espelho, todas as cousas, gozarás de
todos os prazeres da mente e do coração. São Pedro no Monte Tabor, por ter
visto um só vezo rosto de Jesus radiante de luz, ficou repleto de tanta doçura
que exclamou fora de si: Senhor bom é
para nós que fiquemos aqui: Dómine, bónum
est nos hic esse. E lá teria ficado para sempre. Que prazer não será pois
contemplar, não, por um instante, mas para sempre, para sempre gozar desse
rosto divino que enleva os Anjos e os Santos e que aformoseia todo o Paraiso! E
a beleza e amabilidade de Maria, de que prazer deve também encher o coração do
bem-aventurado! Oh! Sim! Quanto são amáveis os teus tabernáculos, ó Senhor! Quam dilecia, tabernacula tua, Dómine
virtutuium! Por isso os coros dos Anjose dos bem-aventurados cantam a sua
glória dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos exércitos. A Ele seja
dada honra e glória por todos os séculos.
Coragem pois ó alma; neste mundo terá que sofrer alguma cousa, mas não
importa; o que hás de receber no Céu compensará infinitamente todos os teus
sofrimentos, Que consolação não será a tua quando te encontrares no Céu, na
companhia dos parentes, dos amigos, dos Santos, dos Bem-aventurados e
exclamares: Estou salvo e estarei sempre com Deus; Semper cum Dómino erimus.
Então é que hás de abençoar a hora em que abandonaste o pecado a hora em que
fizeste aquela boa confissão e começaste a frequentar os sacramentos e te
entregaste à virtude; e cheio de gratidão te
volverás para o teu Deus e cantarás seus louvores e sua glória por todos os séculos.
DOMINGO
FIM DO HOMEM
1-
Considera, ó alma, como Deus, criando-te
á sua imagem. Deu-te esta vida que possuis. Sem merecimento algum de tua parte,
recebeu-te por filho adotivo, amou-te mais que um pai e criou-te afim de que o
amasses, nesta vida, e o servisses, para gozá-lo depois no Paraíso. Não
nasceste, pois, nem deves vive para deitar-te, fazer-te rico e poderoso, nem
para comer, beber, e dormir, como os animais brutos, mas unicamente para glorificar
teu Criador; nisto consiste todo o ser e a substancia do homem: servir a Deus e
salvar-se. Todas as cousas criadas foram por Deus postas a teu uso, para que
servissem de auxilio na consecução do teu grande fim. Quais terríveis remorsos,
pois, sentirás na hora da morte, si te não aplicares em servir a Deus Que pesar,
quando no ermo da vida percebes ter passado os dias em trabalhos e sofrimentos
fora de teu fim e que não resta naqueles momentos si não um nada de todas as
riquezas, honras, glórias e prazeres! Assombrar-te-ás vendo como por simples
vaidades e cousas insignificantes
puseste em tão grande perigo a salvação eterna, sem poder ao menos refazer o
mal praticado e não mais dispor de tempo para entrar no bom caminho. Que
desespero! Que tormento! Verás então- e tardiamente – quanto vale o tempo!
Quererias recupera-lo, com prejuízo de todas as riquezas, mas impossível! Oh,
dia doloroso esse, para quem não serviu e não amou a Deus!
2-
Considera, portanto, a importância em
alcançares teu grande fim. Seu valor, é superante, está acima de tudo o mais;
porque si o conseguires estarás salva, serás eternamente feliz, gozarás todo
bem na alma e no corpo. Si, contrariamente, não o atingires, perderás alma e corpo, Paraiso e Deus, e serás para
sempre desgraçado e eternamente um réprobo. Portanto este é o negócio dos
negócios, o único útil, o único necessário, o único importante; servir a Deus e
salvar-se. Si perdemos agora uma possessão, fica uma segunda; um erro qualquer
temporal cometido pode ser emendado; mas, si não obténs o fim de tua vida,
perdes todos os bens e adquires irremediavelmente todos os males para a
eternidade infeliz. De que vale ao homem, diz o Senhor, conquistar odo o mundo
e vir a perder sua alma? Este é tão somente o nosso único trabalho: salvarmo-nos.
Pobre de mim há tantos anos sirvo ao mundo, este mundo falaz e traidor! Dele
que encontro? A vida consumada, o
coração aflito. Deus ofendido, a alma dolorida, o Céu que perdi o inferno
merecido! Pai das luzes. Atrai-me para o
vosso amor, deste século perverso.
3-
Considera, como este negocio eterno é
de todos o mais descurado. Em tudo pensamos, na salvação nunca. Para tudo há
tempo, menos para a alma. Si dizemos a um mundano, que frequente os
sacramentos, que faça meia hora de oração ao dia, responde logo: tenho filhos,
propriedades para tratar, outros serviços me prendem a atenção. O Deus! E não
tens a alma para salvar? Estás por acaso no mundo para desfruir as cousas vãs e transitórias? Não, mas para glorificar teu Criador e
merecer o reino do Céu. Que loucura rematada procurar-se demasiadamente com o
que há de acabar tão depressa, e quase nada pensar no que jamais terá fim!
Considera. Cristão e dize interiormente, contigo mesmo: Tenho uma alma; si a
perco vai-se tudo juntamente com ela. Tenho uma alma, si, com prejuízo desta,
ganho todo um mundo, de que me adianta? Si acumulo riquezas, si aumento a casa,
si nobilito os filhos, e perco a minha alma, tiro dai algum bem? A fruição de
um gozo nesta vida é momentânea, na outra, é externa. O sofrimento neste mundo
é breve, mas no inferno as penas não tem fim. A alma que eu tenho, que é verdadeiramente minha, si
a perco uma vez, esta perdida e não há mais remédio para este erro; portanto
não devo pensar em salvar-me?
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