BREVE
ESTUDO CRÍTICO
DA
NOVA ORDENAÇÃO DA MISSA
5
de junho de 1969
Um
grupo de teólogos romanos.
Capítulo I.
Em outubro de 1967, foi pedido ao
Sínodo de Bispos que se reuniu em Roma para que emitisse um julgamento a
respeito de uma celebração experimental do que foi chamado à época de uma
Missa “padrão” ou “normativa”.
Esta
Missa, composta pelo Comitê para a Implementação das Constituições sobre a
Sagrada Liturgia (Consilium), provocou sérios receios entre os bispos
presentes. Com 187 membros votando, os resultados revelaram uma
considerável oposição (43 votos negativos), muitas reservas substanciais (62
votos afirmativos com reservas) e quatro abstenções. A imprensa
internacional falou da “rejeição” do Sínodo à Missa proposta, enquanto
a ala progressista da imprensa religiosa perpassou o evento em silêncio. Um
conhecido periódico dirigido aos bispos, e que expressa seus ensinamentos,
resumiu o novo rito nestes termos:
“Quiseram
passar uma esponja em toda a teologia da Missa. Terminou como algo muito
próximo da teologia protestante que destruiu o sacrifício da Missa.”
Infelizmente nós descobrimos agora que
a mesma “Missa padrão”, idêntica em substância, reapareceu na forma da Nova
Ordenação da Missa (Novus Ordo Missae) recentemente
promulgada pela Constituição Apostólica Missale Romanun (3 de abril de 1969).
Além disso, nos dois anos que se passaram desde o sínodo, as conferência
episcopais (ao menos como tais) aparentemente não foi consultada sobre a
matéria.
A
Constituição Apostólica Missale Romanum declara que o antigo
Missal que São Pio V promulgou em 19 de julho de 1570 (Bula Quo Primum)
– a sua maior parte, na verdade, remonta a São Gregório Magno e à
antigüidade ainda mais remota (*1) – foi o padrão por quatro séculos sempre que
os padres do Rito Latino celebravam o Santo Sacrifício. A Constituição
acrescenta que este Missal, levado a todos os cantos da Terra, “tem sido
uma abundante fonte de nutrição espiritual para tantas pessoas em sua devoção a
Deus”. Mas esta mesma Constituição, que poria fim definitivamente ao
uso do antigo Missal, afirma que a presente reforma tornou-se necessária
desde que: “um profundo interesse em fomentar a liturgia disseminou-se e
fortaleceu-se entre o povo cristão.”
Parece
que esta última afirmação, com toda evidencia, contém um sério equívoco.
Se
o povo cristão expressou algo, foi sim o desejo (graças ao grande Papa
São Pio X) de descobrir os verdadeiros e imortais tesouros da liturgia.
Ele nunca, absolutamente nunca, pediu para que a liturgia fosse alterada
ou mutilada a fim de ser mais facilmente compreensível. O que os fiéis queriam
era um melhor entendimento da única e inalterável liturgia – uma
liturgia que eles não desejavam ver modificada. Católicos por todas partes,
bem como padres e leigos, amavam e veneravam o Missal Romano de São Pio V.
É impossível compreender como a utilização deste missal, em conjunto com a
instrução religiosa adequada, poderia impedir os fiéis de participar da
liturgia de forma mais plena ou de entendê-la de forma mais profunda.
É
igualmente incompreensível por que o antigo Missal, quando seus formidáveis
méritos são reconhecidos, até pela Constituição Missale Romanum, deva
agora ser considerado indigno de continuar a alimentar a piedade litúrgica dos
fiéis.
Já
que a “Missa Padrão”, agora reintroduzida e novamente imposta na forma
da Nova Ordenação da Missa, já havia sido rejeitada em substância no Sínodo;
já que ela nunca foi submetida ao julgamento do colegiado das conferências
episcopais e já que os fiéis nunca pediram qualquer reforma que seja da
Missa, é impossível compreender as razões para a nova legislação – legislação
que subverte uma tradição intocada na Igreja desde os séculos IV ou V, como o
reconhece a própria Constituição Missale Romanum.
Portanto,
uma vez que não há razões para empreender a reforma, esta parece privada de
quaisquer bases racionais para justificá-la e torná-la aceitável ao povo
católico.
O
Concílio Vaticano II, de fato, pediu que
a Ordem da Missa “fosse revista de uma forma que exponha mais claramente a
natureza intrínseca e a finalidade de suas diversas partes, bem como a conexão
entre elas”. (*2)
Nós veremos agora em que medida a
Ordenação recém promulgada responde aos desejos do Concílio – desejos dos quais
pode-se dizer que não fica nem a menor lembrança.
Um exame ponto por ponto da Novus
Ordo revela mudanças tão importantes, que confirmam o julgamento já
feito sobre a “Missa Padrão”. O novo “Ordo Missae”, assim como a “missa
normativa”, pode satisfazer em muitos pontos o mais modernista dos
protestantes.
Capítulo
II
Comecemos com a definição da Missa.
No
artigo 7 da Instrução Geral que precede a Nova Ordenação da Missa, sob o titulo
“A estrutura da Missa”, encontramos a seguinte definição:
A
Ceia dominical é a assembléia sagrada ou congregação do povo de Deus,
reunindo-se sob a presidência do sacerdote, para celebrar a memória de Nosso
Senhor (*3). Por esta razão, a promessa de
Cristo se aplica de forma suprema para uma reunião local da Igreja: “Onde dois
ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles.” (Mt.
18:20) (*4)
Desta forma, a
definição da Missa é reduzida a uma “ceia”, um termo que a Instrução Geral repete
constantemente (nos números 8, 48, 55, 56 da Institutio). A Instrução
mais adiante caracteriza esta “ceia” como uma assembléia, presidida por um
padre e celebrada como o “memorial do Senhor” para recordar o que Ele fez
na quinta-feira Santa.
Nada
disso implica por mais mínimo que seja nem a Presença Real, nem a
realidade do Sacrifício, nem a função sacramental do padre que consagra, nem o
valor intrínseco do Sacrifício Eucarístico, independente da presença da
“assembléia” (*6)
Em uma palavra, a definição dada
pela Instrução não implica nenhum dos valores dogmáticos que são essenciais à
Missa e os quais, tomados em conjunto, fornecem a sua verdadeira
definição. A omissão, num tal lugar, desses dados dogmáticos, não
pode ser senão voluntária. Semelhante omissão voluntária significa que já se
consideram como obsoletos, e equivale, ao menos na prática, a negá-los.
(*7)
A
segunda parte do artigo 7 torna ainda pior este já sério equívoco. Ela afirma que se aplica de forma suprema a esta
assembléia a promessa de Cristo: “Onde dois ou três estiverem reunidos em
meu nome, ali estou eu no meio deles”. Assim, a Instrução coloca a
promessa de Cristo - que se refere somente à Sua presença espiritual através
da graça -, no mesmo nível qualitativo, - a não ser por uma maior
intensidade -, da Sua presença real, física e substancial, própria ao
Sacramento da Eucaristia.
O
próximo artigo da Instrução divide a Missa em uma “Liturgia da Palavra” e uma “Liturgia
da Eucaristia”, e acrescenta que a “mesa da Palavra de Deus”
e a “mesa do Corpo de Cristo” são preparadas na Missa para que os
fiéis possam receber “instrução e alimento”. Como veremos mais
tarde, esta afirmação une de forma imprópria e ilegítima as
duas partes da Missa, como se elas possuíssem o mesmo valor simbólico.
A Instrução, que constitui a introdução
do novo Ordo da Missa, usa muitos nomes diferentes para a Missa,
tais como:
-
Ação de Cristo e do Povo de Deus.
-
Comunhão do Senhor ou Missa
-
Banquete Pascal
-
Participação Comum na Mesa do Senhor
-
Prece Eucarística
-
Liturgia da Palavra e Liturgia da Eucaristia
-
Etc.
Todas
estas expressões são aceitáveis quando usadas relativamente, mas quando usadas
separadamente e de forma absoluta, como o são aqui, elas devem ser
completamente rejeitadas.
É
óbvio que a Novus Ordo enfatiza obsessivamente “ceia” e “memória”, ao invés da
renovação (não sangrenta) do Sacrifício da Cruz. Mesmo a frase que na Instrução descreve a Missa
como “o memorial da Paixão e Ressurreição”, é inexata.
A Missa é o memorial
do único sacrifício, redentor em si mesmo, enquanto que a Ressurreição é o fruto
que se segue deste sacrifício (*8).
Veremos mais tarde como, - e com que coerência sistemática -, tais equívocos
são repetidos e reiterados, tanto na fórmula para a consagração quanto através
da Novus Ordo como um todo.
Capítulo
III.
Voltamo-nos
agora para os fins (propósitos) da Missa:
o seu fim último, o seu fim próximo e o seu fim imanente.
1.
Propósito último.
O
propósito último da Missa é o sacrifício de graças dado à Santíssima Trindade. Este fim está em conformidade com o propósito
primário da Encarnação, explicitamente enunciado pelo próprio Cristo: "Ao
entrar no mundo ele afirmou: Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém,
formaste-me um corpo.” (*9)
No
Novus Ordo este propósito desapareceu:
- Do ofertório, de onde a oração “Recebe,
Santa Trindade, esta oblação” (ou “Recebe Santo Padre”)
foi removida.
- Da conclusão da Missa, onde a oração em honra da
Trindade, “Agradável Vos seja, ó Trindade Santíssima, a oferta da minha vassalagem”
foi eliminada.
- Do prefácio, já que o prefácio da Santíssima
Trindade, anteriormente usado em todos os domingos depois da Epifania e do
Pentecostes (ou seja, mais de 30 domingos cada ano), será daqui em diante
usado somente na Festa da Santíssima Trindade.
2.
Propósito ordinário.
O
propósito ordinário da Missa é o sacrifício propiciatório — dando satisfações a Deus pelo pecado.
Este fim foi também comprometido. Ao invés de enfatizar a remissão dos
pecados dos vivos e dos mortos, o novo rito enfatiza o alimento e
santificação dos presentes (*10).
Na
última ceia, Cristo instituiu o Santo Sacramento e desta forma colocou-Se
nele como Vítima, a fim de unir-Se a nós como Vítima. Mas este ato de
imolação sacrifical ocorre antes do Santo Sacramento estar consumado e possui
de antemão pleno valor redentor em relação ao Sacrifício sangrento no Calvário.
A prova disto é que as pessoas que assistem não estão obrigadas a receber a
Comunhão sacramentalmente (*11).
3.
Propósito imanente.
O
propósito imanente da Missa é fundamentalmente o sacrifício. É essencial que o sacrifício, qualquer que seja
sua natureza, seja agradável a Deus e aceito por Ele. Por
causa do pecado original, entretanto, nenhum outro sacrifício que não
seja o de Cristo pode pretender ser aceitável e agradável a Deus por direito
próprio. Por esta razão, era eminentemente conveniente o Ofertório
se referir desde o começo o Sacrifício da Missa ao Sacrifício de Cristo.
O
Novus Ordo altera a natureza do ofertório
sacrifical transformando-o em uma espécie de troca de oferendas entre o
homem e Deus. O homem traz o pão e Deus o transforma no “pão da
vida”; o homem traz o vinho e Deus o transforma na “bebida espiritual”:
"Bendito, sejais, Senhor, Deus do Universo, pelo pão (ou vinho) que
recebemos de vossa bondade, fruto da terra (ou da videira) e do trabalho do
homem, que hoje vos apresentamos e que para nós vai se tornar o pão da vida (ou
bebida espiritual: o vinho da salvação)." (*12)
As expressões “pão da vida”
e “bebida espiritual”, são, é claro, completamente vagas e podem
significar qualquer coisa. Novamente nós nos deparamos com o mesmo equívoco
básico: De acordo com a nova definição da Missa, Cristo está presente entre os
seus apenas espiritualmente; aqui, o pão e o vinho são apenas
espiritualmente - e não substancialmente – modificados
(*13).
Na
Preparação das Oferendas um jogo similar de
equívocos foi cometido. O antigo Ofertório continha duas magníficas orações, a “Deus
qui humanae ...” e a “Offerimus tibi...”:
-
A primeira oração, recitada na preparação do cálice, começa da
seguinte forma: “Ó Deus, que maravilhosamente criastes a dignidade da
natureza humana e mais prodigiosamente a remitistes.” Ela lembrava a inocência
do homem antes da queda de Adão e seu resgate pelo sangue de Cristo;
ela resumia toda a economia do Sacrifício, de Adão até os dias de hoje.
-
A segunda oração, que acompanha o oferecimento do cálice, incorpora
a idéia de propiciação pelo pecado: ela implora a Deus por Sua
misericórdia quando pede que a oferenda suba “com uma doce fragrância”
na presença da divina Majestade, cuja clemência se implora. Como a primeira
oração, esta última enfatiza admiravelmente a economia do Sacrifício.
No Novus Ordo ambas
as orações foram eliminadas. Além disso, as repetidas petições a
Deus para que Ele aceite o Sacrifício, contidas nas Preces Eucarísticas,
foram também suprimidas; desta forma não há mais qualquer distinção clara
entre o sacrifício humano e o divino.
Tendo
removido a pedra fundamental,
os reformadores tiveram de colocar em seu lugar uma carcaça. Tendo
suprimido os verdadeiros propósitos da Missa, tiveram de substituí-los
por seus próprios propósitos fictícios. Isto os forçou a
introduzir ações enfatizando a união entre o padre e o fiel, ou entre
os próprios fiéis – e levou à ridícula tentativa de superpor as
oferendas aos pobres e pela Igreja à oferenda da hóstia para ser
imolada. A singularidade fundamental da Vítima a ser sacrificada
será então completamente obliterada. A participação na imolação de Cristo, a
Vítima, transformar-se-á então em um encontro filantrópico ou um
banquete de caridade.
Capítulo
IV.
Consideramos
agora a essência do Sacrifício.
A Nova Ordenação da Missa não expressa
mais de maneira explicita o mistério da Cruz. Ele é obscurecido, velado, e
tornado impercebível aos fiéis por meio de múltiplos artifícios (*14).
Eis
alguns dos principais:
1.
O significado do termo “oração eucarística”.
A
Institutio (No 54, in fine) declara: “O significado da oração eucarística
consiste em que a congregação toda se una a Cristo para reconhecer as grandes
coisas que Deus fez e oferecer o sacrifício” (*15).
A que sacrifício isto
se refere? Quem oferece o sacrifício?
Estas perguntas não são respondidas.
A
definição que a Instrução (No 54) dá para a “Prece Eucarística” a reduz ao
seguinte: “O centro e o ponto mais alto de toda a celebração se inicia: A
Prece Eucarística, ou prece de ação de graças e santificação” (*16)
Assim, os efeitos da prece tomam
o lugar da causa [a ação de graças e a santificação tomam o lugar
do sacrifício]. E sobre a causa, além disso, nem uma palavra é
dita. A menção explícita do propósito da oferta sacrifical, feita
no rito antigo com a oração: “Receba, Santíssima Trindade, esta
oblação”, foi suprimida — e substituída por nada.
A
mudança na fórmula revela a mudança na doutrina.
2.
Obliteração do papel da presença real.
A
razão pela qual o Sacrifício não é mais mencionado explicitamente
é simples: o papel central da Presença Real foi suprimido. Ele
foi removido do lugar que ocupava tão magnificamente na antiga liturgia.
Na
Instrução Geral a Presença Real é mencionada somente uma vez, e
isto em uma nota de rodapé que é a única referência ao Concílio de Trento.
Aqui novamente o contexto é o de alimentação. (*17)
Nunca
é feita nenhuma alusão à presença real e permanente de Cristo nas espécies transubstanciadas, Corpo, Sangue, Alma e Divindade. A própria palavra transubstanciação
é completamente ignorada.
A
invocação do Espírito Santo no Ofertório
– a oração “Vinde, ó Deus Santificador” – foi igualmente
suprimida, com sua petição para que Ele descesse sobre a oferenda para
realizar novamente o milagre da Presença Divina, exatamente como Ele uma vez
desceu sobre o útero da Virgem. Esta supressão é mais uma em uma
série de negações e degradações da Presença Real, tácitas
e sistemáticas.
Finalmente,
é impossível ignorar como os gestos e costumes rituais que expressam a fé na
presença real foram abolidos ou modificados.
A
Novus Ordo elimina:
-
As genuflexões. Não mais do que três permanecem para o
padre, e (com certas exceções) uma para os fiéis no momento da Consagração.
-
A purificação dos dedos do padre
sobre o cálice.
-
A preservação dos dedos do padre
de todo o contato profano após a consagração.
-
A purificação dos recipientes sagrados,
que não precisa ser feita imediatamente e nem feita no corpo.
-
A proteção do conteúdo do cálice
com a coberta do cálice.
-
O dourado no interior dos recipientes sagrados.
-
A consagração solene para altares móveis.
-
As pedras consagradas e relíquias dos santos no altar móvel ou na “mesa” quando a Missa é celebrada fora de um
lugar sagrado. (Este último ponto leva diretamente a “jantares eucarísticos”
em casas particulares).
-
As três toalhas no altar,
reduzidas para uma.
-
A ação de Graças para a Eucaristia feita ajoelhada, agora substituída pela grotesca prática do padre
e do povo sentando-se para fazer a ação de graças – um acompanhamento bastante
lógico para o ato de receber a comunhão em pé.
-
Todas as antigas prescrições a serem observadas no caso de uma hóstia que caía
no chão, as quais agora se reduzem a uma única
e quase sarcástica instrução: “Ela deve ser recolhida de forma reverente”. (18)
Todas estas
supressões somente enfatizam a maneira ultrajante que a fé no dogma da Presença
Real é implicitamente repudiada.
3.
O papel do altar principal
-
O altar é quase sempre chamado de mesa:
(*19), “...o altar ou a mesa do Senhor que é o centro de toda a liturgia
eucarística...” (*20)
-
O altar deve agora estar destacado da parede dos fundos para que o padre
possa andar em torno dele e celebrar a missa de frente para o povo. (*21)
A
Instrução afirma que o altar deve estar no centro dos fiéis reunidos, a fim de
que sua atenção seja espontaneamente atraída para ele.
Comparando
este artigo com outro, entretanto, ele parece excluir totalmente a
reserva do Santo Sacramento no altar onde a Missa é celebrada. (*22)
Isto assinalará uma irreparável dicotomia entre a presença de Cristo como
Sumo Sacerdote no padre celebrando a Missa e a presença sacramental de Cristo.
Antes, elas eram uma única coisa. (*23)
A
Instrução recomenda que o Santo Sacramento agora seja mantido em um lugar
em separado para a devoção particular, como se Ele fosse uma espécie de
relíquia. Desta forma, ao entrar em uma Igreja, a atenção das pessoas
será atraída não para um sacrário, mas sim para uma mesa vazia.
Uma vez mais, piedade particular é colocada em oposição à piedade
litúrgica, e o altar é colocado em oposição ao Altar.
A Instrução recomenda que as hóstias
distribuídas para a Comunhão sejam aquelas consagradas na mesma Missa.
Ela também recomenda que se consagre uma grande hóstia, (*24) a fim de que o
padre possa dividir uma parte dela com os fiéis.
Trata-se sempre da mesma atitude
aviltante tanto para com o Sacrário quanto para qualquer forma de piedade
Eucarística fora da Missa. Isto constitui um novo e violento
golpe contra a fé no fato de que a Presença Real continua
enquanto subsistem as espécies consagradas. (*25)
4.
As fórmulas para a consagração.
A
antiga fórmula para a Consagração era uma fórmula “sacramental” propriamente
falando, e não meramente uma “narrativa”. Isto
foi demonstrado anteriormente por três coisas:
-
O Texto Empregado.
O
texto da Escritura não foi usado palavra por palavra tal como na fórmula
para a consagração no antigo Missal. A expressão de São Paulo, o “Mistério
da Fé”, foi inserida no texto como uma expressão imediata da fé do
padre no mistério que a Igreja torna real através do sacerdócio hierárquico.
-
Tipografia e Pontuação.
No
antigo Missal, um ponto final e um novo parágrafo separavam as palavras “Tomai
isto e comei” das palavras da forma sacramental, “Este é Meu Corpo.”
O ponto final e o novo parágrafo marcavam a passagem de um modo meramente
“narrativo” para um modo “sacramental” e “afirmativo” que é próprio de uma ação
verdadeiramente sacramental. Além do mais, no Missal Romano as
palavras da Consagração eram impressas em tipos maiores e no centro da página.
Freqüentemente uma tinta de cor diferente era usada. Tudo isto destacava
claramente as palavras de um contexto meramente histórico, e, em conjunto,
davam à fórmula da Consagração um valor próprio e autônomo.
-
A Anamnese.
O
Missal Romano acrescentou as palavras “Todas
as vezes que fizerdes estas coisas, fazei-as em memória de Mim” depois
da fórmula da Consagração. Esta fórmula referia-se não somente à lembrança de
Cristo ou de algum evento passado, mas sim à ação de Cristo aqui e agora.
Tratava-se
de um convite para que nos lembremos não somente de Sua Pessoa ou da Santa
Ceia, mas também para que “façamos” o que Ele fez “da maneira” que Ele
fez.
Na
Novus Ordo, as palavras de São Paulo, "Fazei isto em memória de
Mim," substituirão agora a antiga fórmula e serão proclamadas
diariamente em vernáculo por toda a parte. Isto inevitavelmente fará os
ouvinte concentrarem-se na lembrança de Cristo como o fim da ação Eucarística,
ao invés de como seu início. A idéia de comemoração
irá portanto tomar o lugar rapidamente da idéia da Missa como uma ação
Sacramental. (*26)
A
Instrução Geral enfatiza o modo narrativo mais adiante quando
descreve a Consagração como a “Instituição Narrativa” (*27) e
quando acrescenta que “em cumprimento à ordem dada por Cristo... a Igreja
guarda sua memória.” (*28)
Tudo isto, em resumo, altera o
modus significandi das palavras da Consagração – como elas
mostram a ação sacramental ocorrendo.
O
padre agora pronuncia as fórmulas para a Consagração como parte de uma
narrativa histórica, ao invés de como o representante de Cristo
emitindo o julgamento afirmativo “Este é Meu Corpo.” (*29)
Além disso, a aclamação memorial do
povo que segue-se imediatamente à Consagração "Vossa santa morte nós
proclamamos, Ó Senhor... até a Vossa vinda” – introduz a mesma
ambigüidade sobre a Presença Real sob a forma de um alusão ao Julgamento Final.
Quase sem pausa, o povo proclama sua expectativa por Cristo no fim dos
tempos no exato momento em que Ele está substancialmente presente no altar –
como se a vinda real de Cristo fosse ocorrer somente no final dos tempos, ao
invés de lá mesmo no próprio altar.
A Segunda aclamação memorial opcional
apresenta isto ainda mais forte: “Quando nós comemos este pão e bebemos
deste cálice, nós proclamamos Vossa morte, Senhor Jesus, até Vossa vinda em
glória.” A justaposição de duas realidades completamente diferentes — imolação
e refeição, a Presença Real e a Segunda Vinda de Cristo — eleva a
ambigüidade a novas alturas. (*30)
Capítulo
V.
Consideramos
agora a questão de quem realiza o Sacrifício. No rito antigo eram, em
ordem: Cristo, o padre, a Igreja e os fiéis.
1.
O papel dos fiéis no Novo Rito.
Na
Missa Nova, o papel atribuído aos fiéis é autônomo, absoluto – e portanto
completamente falso. Isto é óbvio não
apenas a partir da nova definição da Missa (“... a assembléia sagrada ou
congregação do povo reunido...”), mas também a partir da definição dada
pela Instrução Geral de que a saudação de abertura do padre destina-se a
levar à assembléia reunida a presença do Senhor:
Então
através de sua saudação o padre declara à assembléia reunida que o Senhor está
presente. Esta saudação e resposta expressam o
mistério da Igreja reunida. (*31)
Esta
é a verdadeira presença de Cristo?
Sim,
mas somente uma presença espiritual. Um mistério da Igreja?
Certamente – mas somente na medida em que a assembléia manifesta-se e pede pela
presença de Cristo. Esta noção é enfatizada repetidamente por:
-
Referências obsessivas ao caráter
comunitário da Missa. (*32)
-
A distinção não mencionada
entre “Missa com a Congregação” e “Missa sem a Congregação”.
(*33)
-
A descrição da Prece dos Fiéis
como uma parte da Missa onde “o povo, exercendo sua função sacerdotal,
intercede por toda a humanidade.” (*34)
A
“função sacerdotal dos fiéis” é apresentada equivocadamente
como se ela fosse autônoma, omitindo-se a menção de que ela é
subordinada ao padre, que, como mediador consagrado, apresenta as petições do
povo a Deus durante o cânone da missa.
A
Prece Eucarística III da Novus Ordo
dirige as seguintes orações ao Senhor:
“De
eras em eras Vós reunis o povo contigo, para que de leste a oeste uma oferenda
perfeita possa ser oferecida à glória de Vosso nome”.
O “para que” na passagem faz
parecer que o povo, e não o padre é o elemento indispensável na celebração.
Uma vez que nunca é deixado claro, mesmo aqui, quem oferece o sacrifício,
o próprio povo aparece como possuindo um poder sacerdotal autônomo.
(*35)
A
partir deste passo, não seria surpreendente se, dentro em pouco, fosse
permitido ao povo unir-se ao padre para pronunciar as palavras da consagração.
De fato, em alguns lugares isto já aconteceu.
2.
O papel do padre no Novo Rito.
O
papel do padre é minimizado, alterado e falsificado:
-
Em relação ao povo, ele é agora um mero
presidente ou irmão, ao invés do ministro consagrado que celebra
a Missa “na pessoa de Cristo.”
-
Em relação à Igreja, o padre é agora meramente
um membro dentre outros, alguém retirado do povo. Ao tratar da
invocação do Espírito Santo na Oração Eucarística (a epiclesis), a Instrução
Geral atribui as petições anonimamente à Igreja. (*36) O papel do padre
desvaneceu-se.
-
No novo Rito de Penitência que inicia a Missa, o Confiteor tornou-se agora coletivo;
assim o padre não é mais juiz, testemunha e intercessor perante Deus. É,
portanto, lógico que ele não mais recite a oração de absolvição que se
seguia e que foi agora suprimida. O padre está agora “integrado” com
seus irmãos; mesmo o acólito que serve em uma “Missa sem congregação” chama o
padre de “irmão”.
-
Anteriormente, a Comunhão do padre era ritualmente distinta da Comunhão do
povo. A Novus Ordo suprime
esta distinção importante. Este era o momento em que Cristo, o Eterno Sumo
Sacerdote, e o padre que atua na pessoa de Cristo encontravam-se em estreita
união e completavam o Sacrifício.
-
Além disso, nenhuma palavra é dita sobre o poder do padre como “sacrificador”, sobre sua ação consagratória ou sobre como, na
função de intermediário, ele realiza a presença Eucarística. Ele agora
não parece ser nada além de um ministro protestante.
-
Abolindo ou tornando opcionais muitas das vestimentas sacerdotais – em alguns casos somente uma alva e uma
estola são exigidas. (*37) – o novo rito oblitera mais ainda a
conformidade do padre com Cristo. O padre não é mais vestido com as
virtudes de Cristo. Ele é agora apenas um “graduado” com um ou dois
emblemas que mal o separam da multidão. (*38) "um pouco mais homem
do que o resto," para citar uma definição involuntariamente cômica
de um Dominicano. (*39) Aqui, como quando colocaram altar contra altar, os
reformadores separaram o que estava unido: o Sacerdócio de Cristo
do Verbo de Deus.
3.
O papel da Igreja no Novo Rito.
Finalmente,
há a posição da Igreja em relação a Cristo. Em somente um exemplo. – em seu
tratamento da forma da Missa sem uma congregação – a Instrução Geral admite que
a Missa é “a ação de Cristo e da Igreja.” (*40) No caso da Missa
com uma congregação, entretanto, o único objeto que a Instrução alude como “lembrança
de Cristo” e santificando os presentes. "O padre celebrante”,
diz ela, "...une-se ao povo ao oferecer o sacrifício através de Cristo
no Espírito ao Pai” – ao invés de dizer que o próprio povo se une a
Cristo que Se oferece ao Pai através do Espírito Santo.
Dentro
deste contexto, os seguintes pontos também devem ser considerados:
-
As diversas omissões graves da frase
“através de Cristo nosso Senhor”, uma fórmula que garante que
Deus ouvirá as preces da Igreja em todos os tempos. (*42)
-
Um “pascalismo” que a tudo penetra
– uma ênfase obsessiva na Páscoa e na Ressurreição – quase como se não houvesse
outros aspectos da comunicação da graça, os quais, ainda que um tanto
diferentes, são igualmente importantes.
-
O estranho e dúbio “escatologismo”
– uma ênfase sobre a Segunda Vinda de Cristo e o fim dos tempos – por meio do
qual a permanente e eterna realidade da comunicação da graça é reduzida a algo
restrito aos limites do tempo. Nós ouvimos falar de um povo de Deus em marcha,
uma Igreja peregrina – uma Igreja não mais Militante contra as forças das
trevas, mas uma Igreja que, tendo perdido seu vínculos com a
eternidade, marcha para um futuro divisado em termos puramente temporais.
Na Oração Eucarística
IV a Igreja (como Una, Santa e
Apostólica) é degradada pela eliminação da petição do Cânone Romano por
todos os fiéis ortodoxos que mantêm a fé Católica e Apostólica. Estes
são agora meramente todos os que a buscam com sinceridade de coração.
A Recordação dos
Mortos no cânon é oferecido não como antes, para
aqueles que se foram antes de nós com o signo da fé, mas meramente
para aqueles que se foram na paz de Cristo. A este grupo – com o posterior
detrimento da noção da unidade e visibilidade da Igreja – a Oração
Eucarística IV acrescenta a grande multidão de “todos os mortos
cuja fé é conhecida por Vós somente.”
Além disto, nenhuma das três
novas Orações Eucarísticas faz alusão a um estado de sofrimento por aqueles que
morreram; nenhuma delas permite ao padre fazer lembranças especiais
pelos mortos. Tudo isso necessariamente enfraquece a fé na natureza
propiciatória e redentória do sacrifício. (*43) Por toda a parte
omissões dessacralizadoras aviltam o mistério da Igreja. Acima de tudo, a
natureza da Igreja como uma hierarquia sagrada é desconsiderada. A
segunda parte do novo Confiteor coletivo reduz os Anjos e os Santos ao
anonimato na primeira parte, na pessoa de São Miguel Arcanjo eles desapareceram
como testemunhas e juízes. (*44)
No prefácio da Oração
Eucarística II – e isto não possui precedentes – as
várias hierarquias angélicas desapareceram. Também foi suprimida, da
terceira prece do antigo Cânone, a memória dos santos Pontífices e
Mártires sobre quem a Igreja de Roma foi fundada; sem dúvida, foram
estes os santos que transmitiram a tradição apostólica finalmente completa sob
o Papa São Gregório como a Missa Romana. A oração após o Pai Nosso, a
Libera Nos, agora suprime a menção da Santa Virgem, dos Santos
Apóstolos e de todos os santos; sua intercessão não é mais pedida, nem
mesmo em tempos de perigo.
Por toda a parte, exceto no Cânone
Romano, a Novus Ordo elimina não somente os nomes dos
Apóstolos Pedro e Paulo, fundadores da Igreja em Roma, mas também os nomes dos
outros apóstolos, a fundação e marco da Igreja única e universal. Esta
omissão intolerável, que se estende até mesmo às três novas Orações
Eucarísticas, compromete a unidade da Igreja.
A Nova Ordenação da Missa ataca mais adiante o dogma da Comunhão dos
Santos através da supressão da benção e saudação “O Senhor esteja
convosco” quando o padre reza a missa sem um coroinha.
Ela também elimina a Ite Missa Est, mesmo quando a Missa é celebrada com um
coroinha. (*45)
O duplo Confiteor no
início da Missa mostrava o quanto o padre, vestido
como o ministro de Cristo e fazendo uma profunda reverência, reconhecia-se como
indigno tanto da sublime missão quanto do “tremendo mistério” que
ele iria representar. Então, na oração “Perdoai os nossos pecados”
ele reconhecia esta indignidade para entrar no Santo dos Santos, recomendando a
si próprio com a oração “Nós Lhe Rogamos, Ó Senhor” aos méritos e à
intercessão dos mártires cujas relíquias estavam guardadas no altar.
Ambas as orações foram suprimidas. O que foi dito anteriormente sobre a eliminação
do duplo Confiteor do rito da Comunhão é igualmente relevante aqui.
A configuração
exterior do sacrifício, um sinal de seu caráter sagrado, foi profanada. Observe-se, por exemplo, as novas provisões para a
celebração da Missa fora de uma Igreja: a uma simples mesa, sem
um altar-pedra consagrado nem relíquias e coberta com um único pano, é
permitido servir de altar. (*46) Aqui também se aplica tudo o que
dissemos anteriormente com relação à Presença Real – dissociação do
“banquete” e do Sacrifício da ceia da Presença Real em si mesma.
O processo de
dessacralização é completado graças ao novo e grotesco
procedimento para a Procissão do Ofertório, a referência a pão
ordinário (ao invés de sem fermento), a permissão aos coroinhas (e mesmo aos
leigos quando do recebimento da Comunhão sob ambas as espécies) de
manusear os recipientes sagrados. (*47)
Em
seguida há a atmosfera de distração criada na Igreja: as intermináveis indas e vindas dos padres,
diáconos, subdiáconos, cantores, comentadores – o próprio padre torna-se
um comentador, constantemente encorajado a “explicar” o que vai fazer –
Leitores
(homens e mulheres), de coroinhas ou leigos dando boas vindas às pessoas
na porta e conduzindo-as a seus lugares enquanto outros carregam e
selecionam oferendas.
E
numa era de frenesi por um “retorno às escrituras” nós agora
encontramos, em contradição tanto com o Velho Testamento quanto com São Paulo,
a presença de “mulheres apropriadas” que pela primeira vez
na história da Igreja são autorizadas a proclamar as leituras da Escritura
e “executar outros ministérios fora do santuário”. (*48)
Finalmente,
há a mania da concelebração,
que virá a destruir a piedade eucarística do padre pelo obscurecimento da
figura central de Cristo, único sacerdote e Vítima, e por sua
dissolução na presença coletiva dos concelebrantes. (*49)
Capítulo
VI.
Nós nos limitamos
acima a um breve estudo da Novus Ordo onde ela se desvia de forma mais séria da
teologia da Missa Católica.
Nossas observações versam sobre desvios que são típicos.
Preparar
um estudo completo de todas as armadilhas, perigos e elementos
psicológica e espiritualmente destrutivos que o novo rito contém, seja
no texto, nas rubricas ou nas instruções, seria um empreendimento vasto.
Passamos apenas de relance pelas três novas Orações Eucarísticas, uma vez que
elas já se apresentaram a repetidas e abalizadas críticas.
A
segunda causou escândalo imediato entre os fiéis devido à sua brevidade. (*50) Da
Oração Eucarística II bem se disse que um padre que não
acreditasse nem na Transubstanciação nem no caráter sacrificial da Missa poderia
recitá-la com a consciência perfeitamente tranqüila, e que, além disso, um ministro protestante também
poderia usá-la em sua própria celebração.
O
novo missal foi apresentado em Roma
como “uma fonte abundante para o trabalho pastoral”, como “um
texto mais pastoral do que jurídico”, que a conferência nacional dos
bispos poderia adaptar ao “espírito” de diferentes povos. Além disso, a Seção
Um da Nova Congregação para o Culto Divino será agora responsável “pela
publicação e constante revisão dos livros litúrgicos.”
Esta
idéia foi ecoada recentemente no boletim oficial dos Institutos Litúrgicos da
Alemanha, Suíça e Áustria:
-
Os textos latinos devem ser agora traduzidos para as
línguas das diversas nações.
-
O “estilo romano” deve ser adaptado à individualidade de
cada Igreja local.
-
Aquilo que foi concebido em um plano atemporal deve agora ser transposto no contexto cambiável
das situações concretas, e no fluxo constante da Igreja universal e sua miríade
de congregações. (*51)
A
própria Constituição Apostólica, com a promulgação da Novus Ordo Missae,
desfere um golpe mortal na língua universal da Igreja quando – contrariando um desejo expresso do
Concílio Vaticano II – afirma inequivocamente que “em grande diversidade de
línguas, uma [?] única prece ascenderá mais perfumada do que o incenso.”
O fim do latim pode,
portanto, ser dado como certo, o Canto Gregoriano — que o Vaticano II reconheceu como uma
característica distintiva da liturgia romana, decretando que a ele “fosse
dado um lugar de honra nos serviços litúrgicos” (*52) — irá logicamente
seguir este caminho, dada, entre outras coisas, a liberdade conferida na
escolha dos textos para o Intróito e para o Gradual.
Desde
o princípio, portanto, o novo rito foi pluralista e experimental, ligado a um tempo e lugar. Uma vez que a unidade
de culto foi estilhaçada de uma vez por todas, que base existirá para a
unidade da fé que a acompanhava e que, fomos informados, seria sempre
defendida sem compromisso?
É óbvio que a Nova
Ordenação da Missa não possui a intenção de apresentar a fé ensinada pelo
Concílio de Trento. Mas é a esta fé que
a consciência católica está para sempre ligada. Desta forma, com a
promulgação da Nova Ordenação da Missa, a verdadeira fé católica
depara-se com a trágica necessidade de fazer uma escolha.
Capítulo
VII.
A Constituição Apostólica menciona
explicitamente as riquezas de piedade e doutrina que a Novus Ordo
supostamente toma emprestado das Igrejas Orientais. Mas o resultado é tão
distante e, de fato, oposto às liturgias orientais que só pode deixar os fiéis
daqueles ritos revoltados e horrorizados.
O que significam
estes empréstimos ecumênicos?
Basicamente,
a introdução de múltiplos textos para a Oração Eucarística (a anafora) – nenhum
dos quais se aproxima de seus similares orientais em complexidade ou beleza –,
a permissão da comunhão sob ambas as espécies e o uso de diáconos. Contra
isto, a Nova Ordenação da Missa parece ter deliberadamente cortado todos os
elementos da liturgia romana que mais se aproximavam dos ritos
orientais.(*53)
Ao
mesmo tempo, ao abandonar seu inconfundível e imemorial caráter romano, a
Novus Ordo perde suas próprias preciosidades espirituais. No
lugar delas estão elementos que aproximam o novo rito de certas liturgias
protestantes, e não se tratam sequer daquelas mais próximas do catolicismo.
Ao mesmo tempo, estes novos elementos degradam a liturgia romana e ajudam-na a
se alienar do Oriente, como fizeram as reformas que precederam a Novus Ordo.
Em compensação, a nova liturgia
irá deliciar todos aqueles grupos à beira da apostasia que agora,
durante uma crise espiritual sem precedentes, promovem a devastação
dentro da Igreja através do envenenamento de Seu organismo e do
enfraquecimento de Sua unidade em matéria de doutrina, culto, moral e
disciplina.
Capítulo
VIII
São Pio V preparou o
Missal Romano (como agora nos lembra a presente
Constituição Apostólica) como um instrumento de unidade entre os
católicos. Em conformidade com as prescrições do Concílio de Trento, o
missal deveria excluir todos os perigos tanto para o culto litúrgico quanto
para a própria fé, então ameaçados pela revolta protestante.
A grave situação justificou plenamente – e até mesmo tornou profética – a
advertência dada pelo santo Pontífice em 1570 no fim da Bula que promulgava o
seu Missal:
Quem
quer tente alterar isto deve saber que incorrerá na ira do Poderoso Deus e dos
Santos Apóstolos Pedro e Paulo.
(*54)
Quando a Novus Ordo foi
apresentada no Gabinete de Imprensa do Vaticano, foi afirmado de forma
impudente que as condições que inspiraram os decretos do Concílio de Trento não
mais existiam. Não somente estes decretos ainda se aplicam hoje, mas
também as condições são infinitamente piores.
Foi
precisamente para repelir aquelas ciladas que em todos os tempos ameaçam o puro
Depósito da Fé, (*55) que a Igreja, sob inspiração
divina, estabeleceu definições dogmáticas e pronunciamentos doutrinários como
suas defesas.
Estas
por suas vez influenciaram imediatamente seu culto, que se tornou o mais
completo monumento à sua fé.
Tentar levar este culto de volta às práticas da antigüidade cristã e recriar
artificialmente a espontaneidade original dos tempos antigos significa
ocupar-se daquele “arqueologismo insalubre” que Pio XII tão
categoricamente condenou. (*56)
Trata-se,
além do mais, de desmantelar todas as defesas erigidas para proteger o rito e
de afastar a beleza que o enriqueceu durante séculos. (*57) E tudo isto em um dos mais críticos
momentos – se não o mais crítico – da história da Igreja!
Hoje, a divisão e o
cisma são oficialmente reconhecidos como
existentes não somente fora da Igreja, mas também dentro dela. (*58) A
unidade da Igreja não está apenas ameaçada, mas já foi tragicamente
comprometida. (59) Erros contra a fé não são meramente
insinuados, mas agora – como já foi igualmente reconhecido – são impostos
à força através de abusos litúrgicos e aberrações. Abandonar uma
tradição litúrgica que por quatro séculos manteve-se como um sinal e um
compromisso da unidade de culto, (*60) e substituí-la por outra liturgia que,
devido às inumeráveis liberalidades que ela implicitamente autoriza, não
pode ser outra coisa além de um sinal de divisão – uma liturgia na qual
fervilham insinuações ou erros manifestos contra a integridade
da fé católica.
E
nós nos sentimos no dever de consciência de declarar isto, um erro
incalculável.
Corpus Domini, 5 de junho de 1969.
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