Véu e Desvelo.
Por Andrea Grego de Álvarez | Tradução: Airton Vieira de Souza – Fratres in Unum.com:
Li faz uns dias um belo artigo chamado “O véu, uma honra para a
mulher”[1], que enumerava ali três razões, tomadas entre outras, para
explicar por que o véu nas mulheres:
1ª. Porque é bela. O véu lhe recorda que não deve deixar-se levar pela concupiscência da beleza, nem arrastar a outros. É signo de pudor e recato, da modéstia no ornato com que sempre há de viver e apresentar-se ante Deus.2ª. Porque é mãe. De uma forma especial, a mulher foi unida à obra criadora de Deus por sua própria maternidade. O véu lhe recorda que sua maternidade é sagrada e por isso ela se cobre, para indicar que ao estar coberta o mundo não pode feri-la nem ela se deixar sê-lo.3ª. Por sua maternidade espiritual. Este é um aspecto importantíssimo e desconhecido pela mulher. A mulher pudorosamente vestida, coberta com seu véu em silêncio orante, é fiel reflexo da imagem da Santíssima Virgem, que com seu silêncio e seu véu orava incessantemente por seu Filho e meditava sobre Sua obra redentora. O recolhimento dentro da igreja da mulher com o signo distintivo de seu véu tem um fruto riquíssimo para a Igreja, para a santidade sacerdotal, à sustentação moral e espiritual do clero e para o fomento das vocações. A maternidade espiritual é uma grandíssima e formosíssima vocação feminina, muito desconhecida, desgraçadamente, mas de um valor que me atreveria a dizer “estratégico” dentro da Igreja.
Os três pontos mencionados deixou-me
pensando… Porque nossos tempos fazem a renúncia explícita desses três
valores. Renuncia à beleza, substituída pelo feio, pelo carente de
harmonia, pelo provocador, dissonante, obscuro, agressivo.
A maternidade física é afastada e
desprezada, relegada pelo êxito material, profissional, temporal,
acadêmico, econômico. A maternidade é suplantada pelo conforto, pela
imagem, pela comodidade, pelo bem-estar, pelos caprichos.
A maternidade espiritual é ignorada e em
seu lugar fica uma profunda e insondável esterilidade e frigidez
espiritual que se encobre de ativismo oco que não deixa marca na alma de
ninguém.
Assistimos hoje ao processo de destruição
da família, da sociedade e da cultura. Um tempo que desafia a Deus e
repete e grita em cada gesto e em cada ação: “Não queremos que Ele reine sobre nós”. Todos
sabemos até que ponto o ataque à mulher, a seu verdadeiro ser e
condição é a causa desta destruição a que assistimos. Toda tarefa de
restauração da família, da sociedade e da cultura deverá passar pela
recuperação do verdadeiro rol e dignidade da mulher.
Pensei naquela tremenda e magnífica profecia de Santa Hildegarda de Bingen, forte em sua plasticidade e sentido, quando escreve:
“Vi uma mulher de uma tal beleza que a mente humana não é capaz de compreender. Sua figura se erguia da terra até o céu. Seu rosto brilhava com um esplendor sublime. Seus olhos miravam ao céu. Levava um vestido luminoso e radiante de seda branca e com um manto crivado de pedras preciosas (…). Mas seu rosto estava coberto de pó, seu vestido estava rasgado na parte direita. Também o manto havia perdido sua beleza singular e seus sapatos estavam sujos por cima. Com grande voz e lastimosa, a mulher alçou seu grito ao céu: ‘Escuta, céu: meu rosto está manchado. Aflige-te, terra: meu vestido está rasgado. Trema, abismo: meus sapatos estão sujos (…). As chagas de meu esposo permanecem frescas e abertas enquanto estiverem abertas as feridas dos pecados dos homens. Que permaneçam abertas as feridas de Cristo é precisamente culpa dos sacerdotes. Eles rasgam meu vestido porque são transgressores da Lei, do Evangelho e de seu dever sacerdotal. Retiram o esplendor de meu manto, porque descuidam totalmente os preceitos que impõem. Sujam meus sapatos, porque não caminham pelo caminho reto, isto é, pelo duro e severo caminho da justiça, e também porque não dão um bom exemplo a seus súditos. No entanto, encontro em alguns o esplendor da verdade’. E escutei uma voz do céu que dizia: ‘Esta imagem representa a Igreja. Por isso, ó ser humano que vês tudo isso e que escutas os lamentos, anuncia-o aos sacerdotes que hão de guiar e instruir ao povo de Deus e aos que, como aos apóstolos, foi fito: ‘Ide ao mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda a criação”[2].
Seu rosto, que devia estar coberto por um
véu, está coberto de pó. Perdeu-se o pudor que a reservava, a
sacralidade que a preservava? A imagem, como diz Santa Hildegarda, é
representação da Igreja; mas poderia ser também representação da mulher
caída da dignidade que lhe outorgava o cumprimento fiel da vontade de
Deus?
Pensei também em tantas “desveladas”
conhecidas e desconhecidas, cujo maior esforço é precisamente a ruptura
da ordem, a ruptura da fidelidade, a ruptura da missão. Desveladas para
não velar por nada que valha a pena, desveladas para impedir que outras
tantas mulheres sejam altar do Criador e levem em seu seio o fruto do
verdadeiro amor.
Desde os anos 60, estenderam-se pelo
mundo, tanto no campo liberal como no socialista, as ideias da
“libertação” feminina. Libertação de quê? Do rol principalíssimo da
mulher como esposa e mãe (não é casual que os anos 60 foram os da
explosão da pílula). Libertação da maternidade, libertação da ternura,
libertação de seu lugar e seu papel exclusivo, que ninguém poderia
substituir. Essa ideia afetou também a Igreja e nela a libertação teve
seu signo na abolição do véu. Só as religiosas o mantiveram como signo
da maternidade espiritual (hoje também assistimos ao “desvelamento” das
religiosas e o tempo nos vai dizendo de sua infecundidade espiritual).
Pensei no significado de estar velada,
coberta, solene, sublinhando o mistério que se oculta debaixo do véu.
Pensei no desprezo de nossos tempos pelo mistério profundo, elevado.
Tudo deve ser explícito, tudo deve ser mostrado. Mas a ânsia infantil de
mistério, o afã do assombro existe e então é suplantado por uma
caricatura: a literatura e o cinema de mistério, suspense, terror.
O mistério verdadeiro que oculta o véu, é
o dessa mulher velada que submete livremente sua vontade, entrega-se
como a noiva ante o altar e ali, no segredo, oferece seus muitos e
variados desvelos pelo filho, por cada filho, pelo esposo, pela vida que
ainda não pulsa, pela vida que vai crescendo e toma seu rumo, pelos
filhos espirituais, pelos amigos.
O véu, igual ao que cobre o altar para o
santo sacrifício, cobre o altar do coração da mulher, onde oferecerá o
sacrifício diário de sua virgindade ou de sua Paternidade, o sacrifício
diário de sua fecundidade espiritual.
[1] Publicado por: Padre Juan Manuel Rodríguez da Rosa, 9 novembro, 2014 em: www.adelantelafe.com
[2] Hildegarda de Bingen, Carta a Werner von Kirchheim, ano 1170.
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